Após carregarem pesadas pedras para erguer as pirâmides, arrastadas à tração animal, os escravos egípcios devem ter ficado agradecidos e, ao mesmo tempo, perplexos, quando um deles, na Mesopotâmia (atual Iraque), inventou a roda. Do mesmo modo nossa geração se surpreende com a agilidade “mágica” da robótica para desempenhar tarefas com maior velocidade e precisão que a habilidade humana.

O algoritmo veio inaugurar uma nova era civilizatória ao nos oferecer uma outra “roda”: a inteligência artificial que, diga-se de passagem, nem é propriamente inteligência nem artificial, pois é toda programada por seres humanos, embora tenha desempenho automático. Mas, sem ela, não poderíamos pesquisar os buracos negros nos longínquos espaços siderais e penetrar os diminutos recônditos da matéria graças à nanotecnologia.

A roda veio facilitar todo tipo de transporte, da mala de viagem, que já não temos que carregar, ao caminhão que leva pesados blocos de pedra. Mas, sem ela, não haveria tantos acidentes de trânsito. A culpa, com certeza, não é da tecnologia. É do uso que dela fazemos, e isso vale para a inteligência artificial. É programada pela inteligência humana, supera-a em agilidade, porém não em criatividade. Pode fazer complexos cálculos matemáticos em milésimos de segundos, mas é incapaz de produzir um romance à altura de “Dom Quixote”, de Cervantes ou “Grande sertão, veredas”, de Guimarães Rosa.

Na pauta de defesa da democracia há que entrar a regulação do uso dos algoritmos, de modo a amenizar o impacto do que a socióloga estadunidense Shoshana Zuboff chama de “capitalismo de vigilância”. Todos os dados que geramos ao utilizar o Google, por exemplo, são coletados em grandes bancos de dados e analisados por especialistas para detectar as tendências em voga e as futuras potencialidades do mercado.

O Google sabe, por meio do algoritmo, que o usuário “A” aprecia vinhos e, assim, inunda o e-mail dele de publicidade de vinhos. O mesmo acontece quando o usuário “B” procura um novo par de sapatos. Quando o usuário C” capta informações sobre trânsito, de interesse público, cria um software e oferece aos governos. Software são os aplicativos que utilizamos no acesso à internet, como Word, Spotify, Tik Tok etc.

O problema é que não sabemos o que é feito com esses dados. O que sabemos do Facebook é porque alguém vazou um documento interno. As empresas não falam sobre seu modelo de negócio. Não existem dados consolidados, os termos de uso e as políticas de privacidades são muito confusas.

Qualquer governo que pretenda reduzir as desigualdades e promover a democracia e a justiça social deve se preocupar com a regulação do uso dos algoritmos. Como se sabe, são programas concebidos para fazer buscas em imensos bancos de dados, classificar essas informações segundo um critério previamente definido por seu autor e orientar sua destinação. Em tese, eles eliminariam distorções subjetivas, mas o que acontece de fato na internet é que os critérios não são conhecidos nem passíveis de sê-lo.

Frei Betto é escritor, autor de “Por uma educação crítica e participativa” (Rocco), entre outros livros.