Não sei quantos amigos meus têm contato direto com os pobres, além de faxineiras, cozinheiras, garagistas etc. Mas quase todos sabem que faço ponte entre pessoas muito pobres e/ou excluídas e o mundo dos remediados e ricos. Com frequência, promovo campanhas, com a de Quaresma, e coleto cestas básicas, medicamentos e outros bens imprescindíveis.

A pobreza é aterradora e humilhante. Ninguém a escolhe. A rigor, o que existem são empobrecidos. Pessoas que foram levadas, pelas estruturas de nossa sociedade, a ficarem privadas de direitos básicos, como alimentação, saúde e educação.

Morei cinco anos em uma favela, em Vitória. E há décadas assessoro movimentos populares. Por isso conheço casos como o de dona Rosa, que nunca teve oportunidade de passar do segundo ano do ensino fundamental. Empregada doméstica (sem carteira assinada), casou e teve cinco filhos. O marido, desempregado, deu pra beber. E espancá-la. Rosa se separou e… foi despedida do emprego porque passou a levar o filho mais novo, de dois anos, por não ter com quem deixá-lo. Agora sobrevive da solidariedade de vizinhos e amigos.

Em novembro de 1989 caiu o Muro de Berlim. Em outubro, estive em Berlim Oriental. Vi a muralha desabar. E brotou a grande esperança de que, a partir de então, o mundo não mais teria muros segregadores.

Vã expectativa. Dois acontecimentos fizeram surgir novos muros: a queda das torres gêmeas, nos EUA, a 11 de setembro de 2001, e a crise dos refugiados em 2015, quando um milhão deles ocuparam a Europa.

Como estrutura física dois muros se destacam: o erguido por Israel para segregar os palestinos, e o que a Casa Branca estende na fronteira dos EUA com o México (3.145 km) para tentar conter a onda migratória. Segundo Frank Jacobs, atualmente há pelo menos 70 fronteiras muradas em todo o mundo.

A União Europeia é, hoje, o maior condomínio fechado do mundo. Outros países também trancam as portas, como Japão, Austrália, Nova Zelândia e Coreia do Sul. Esse seleto grupo de países, incluídos EUA e Canadá, abriga apenas 14% da população mundial e, em 2009, possuía 73% da riqueza global. Os 86% da população mundial extramuros sobrevivem com apenas 27% da renda total.

Dentro do condomínio, a renda média mensal é de 2.500 euros. Fora, apenas 150 euros. As 50 melhores cidades do mundo em qualidade de vida estão dentro do condomínio.

A guerra da Coreia, na década de 1950, rachou a península coreana em duas. A zona desmilitarizada, que separa a Coreia do Sul da Coreia do Norte, e serve de “muro”, se estende por 248 km. Ela é considerada intransponível, a ponto de os desertores do Norte preferirem escapar pela fronteira com a China.

No norte da África se destaca a cerca de fronteira que separa as cidades espanholas de Ceuta e Melilla do território de Marrocos. Toda em arame farpado e construída em 1993, a cerca, equipada com sofisticados sensores, tenta deter o fluxo de migrantes da África subsaariana.

O Muro de Evros, edificado em 2012, separa a Turquia da Grécia e impede que imigrantes ilegais acessem por ali a União Europeia.

A Índia constrói, atualmente, a cerca de 4.000 km – o Muro de Bengala – que a separa de Bangladesh, sob a alegação de evitar a entrada de contrabandistas e terroristas. De fato, ali o fluxo migratório se caracteriza por fuga da pobreza e das mudanças climáticas.

 Algumas barreiras são entre bairros, como os Muros de Paz que, em Belfast, na Irlanda do Norte, separa as comunidades católicas/nacionalistas das comunidades protestantes/loyalistas. O maior deles, com 1 milhão de tijolos, divide a propriedade protestante Springmartin do Parque Católico de Springfield.

No Brasil proliferam condomínios fechados, como Alphaville, em São Paulo, e o AlphaVilla, em Belo Horizonte. No Rio, eles se multiplicam sobretudo na Barra da Tijuca, em cuja porta se ergue uma réplica da Estátua da Liberdade…

Um dos projetos dos bilionários para desfrutarem com tranquilidade de seus excessivos luxos é construir ilhas móveis nas quais teriam seus condomínios privados. Com a vantagem de se moverem pelos mares do mundo, escaparem das leis e se protegerem de qualquer risco de assaltos ou sequestros. Isso enquanto não conseguem colonizar o planeta Marte e transferir realizar lá suas utopias paradisíacas.

Contudo, o muro mais maciço e intransponível se situa no coração humano. É o preconceito, o fundamentalismo, a discriminação e a arrogância que mais criam barreiras entre os seres humanos e cimentam as gritantes desigualdades sociais.

Frei Betto é escritor, autor do romance “Tom vermelho do verde” (Rocco) sobre massacres indígenas na Amazônia.