Desde a Segunda Grande Guerra não se tem notícia de que alunos e professores se viram obrigados a ficar retidos em casa por tão longo tempo. A Unesco informa que a pandemia afetou mais de 1,5 bilhão de estudantes em 188 países. Na América Latina, 160 milhões. O sistema escolar não estava preparado para lidar com o isolamento social. A educação teve que se deslocar do universo presencial ao virtual. E recorrer a novas ferramentas tecnológicas que permitem o ensino à distância.

O deslocamento afetou principalmente estudantes sem acesso às novas tecnologias. Para muitos jovens, o ensino remoto carece de incentivo, o que provoca evasão escolar. Os adolescentes, por ficar em casa, se tornam mais vulneráveis à violência doméstica e, no caso das mulheres, à gravidez precoce.

O ensino remoto restringe a interação entre professor e aluno. A casa, muitas vezes de espaço reduzido, devido ao número de pessoas que a habitam, virou sala de aula. Espaço nem sempre propício à atenção e concentração exigidas. Isso se agrava quando se trata de alunos da educação infantil e do ensino fundamental. Dificulta a aquisição de habilidades básicas, como ler e escrever. Essa interrupção da aprendizagem também prejudica alunos em fase de conclusão do curso, ansiosos pela inserção no mercado de trabalho.

A desigualdade social influi no acesso às tecnologias de comunicação. No Brasil, apenas 57% da população possui computador capaz de rodar programas atuais. E 30% das moradias não têm acesso à internet, indispensável ao ensino remoto (IBGE/Pesquisa TIC Domicílio, 2018). Daí a importância de a escola disponibilizar videoaulas que, inclusive, deveriam ser transmitidas por emissoras de TV e acompanhadas de material impresso.

Não teremos mais aquela escola anterior à pandemia. Agora, não se trata de repor aulas, e sim ressignificar a educação bimodal. Mas nossos sistemas de ensino são resistentes a mudanças. O ensino remoto veio para ser incorporado, o que torna os alunos mais responsáveis por seu processo de aprendizagem. Deixam de ser meros alvos das lições do professor e passam a sujeitos da atividade escolar ao organizar a agenda de estudos domésticos e planejar o tempo e o modo de abordar o currículo. Porém, a escola precisa levar em conta a situação familiar em que vivem e as condições de moradia. De certo modo, os alunos passam a ser parceiros do professor na elaboração da grade curricular e na prática pedagógica. O ensino se torna mais personalizado.

Mas nem tudo são luzes. Pesquisas indicam que quase 90% dos professores não tinham experiência de aula remota antes da pandemia. Agora, 82% dão aulas a partir de casa e admitem o aumento das horas de trabalho. E 84% opinam que o envolvimento dos alunos com o aprendizado esmaeceu. A principal dificuldade é o acesso a computadores e à internet.

O sistema educacional não pode transferir para o aluno a responsabilidade de possuir computador e ter acesso à internet. Muitos vivem em situação de vulnerabilidade social. Cabe ao sistema assegurar condições adequadas a todos os estudantes para o desempenho das tarefas escolares.

A volta às aulas presenciais não deve ocorrer por pressão do poder econômico. E, quando conveniente, nada de improviso. O protocolo deve resultar de amplo debate entre alunos, professores, funcionários, pais de alunos e autoridades sanitárias. A pandemia, em si, virou objeto de estudos. Precisa ser levada à sala de aula e suscitar pesquisas e reflexão sobre equilíbrio ambiental, zoonoses, dignidade, fragilidade da vida humana etc.

Uma vez superada pela vacinação, será melhor não encarar a pandemia como hiato em nossas vidas. E precisam ser considerados relevantes os efeitos emocionais, psicológicos e sociais provocados na vida dos alunos e professores, pois muitos foram afetados pela perda de parentes, vítimas da Covid-19, e o declínio da renda familiar.

Frei Betto é frade dominicano, jornalista e escritor, autor de “Por uma educação crítica e participativa” (Rocco), entre outros livros.