Feliz Ano Novo aos que se acobertam sob o telhado de vidro do ano velho e recolhem pedras em suas aljavas. Aos colecionadores de afetos que jamais permitem que suas lagartas se transmutem em borboletas.

Feliz Ano Novo às bordadeiras de emoções que gastam a vida desfiando intrigas e agulhando a boa fama alheia. Aos céticos desprovidos de horizontes e aos que debruçam sobre a própria solidão para contemplar abismos.

Feliz Ano Novo aos sonegadores de esperanças e aos que creem apenas nos valores da Bolsa. Aos mancos de bondade, cegos de utopias, ébrios de ambições e medrosos perante a ousadia de viver. Aos que têm asas e não sabem voar, são águias e ciscam como galinhas, guardam em si um tigre e miam como gatos.

Feliz Ano Novo aos que exibem no pedestal de sua mente o próprio corpo, jejuam por razões estéticas e mendigam aos olhos alheios a moeda falsa da admiração convencional. Aos que ficam inebriados diante da paisagem televisiva e nunca contemplam a silenciosa orgia dos galhos retorcidos na copa de uma árvore. Aos que proferem palavras furtivas, segredam mentiras, sonham com elefantes de papel e tentam fugir da própria sombra.

Feliz Ano Novo aos voluntários da servidão, aos que amam amar desamores alheios e nunca experimentam uma paixão inefável. Aos crentes desprovidos de fé, aos que fazem de seus dias tijolos de catedrais opacas e naufragam em pingo d’água. Aos que cimentam árvores, fazem pontaria em orquídeas e pintam o verde de marrom. Aos que jamais escutam o silêncio, vociferam palavras sem nexo e tratam seus semelhantes como os motoristas reclamam de buracos na estrada.

Feliz Ano Novo aos que traçam labirintos em seus mapas imaginários, enfeitam a vida com buquês de impropérios e rasgam o ventre da água com os seixos adormecidos no leito de seus pesadelos. Aos que escondem montanhas debaixo da cama, congelam estrelas no bolso e torcem o arco-íris até sangrar.

Feliz Ano Novo aos que cavalgam em hipocampos grávidos de dinamites, multiplicam teorias para subtrair a prática e escondem a alegria no fundo da gaveta.

Feliz Ano Novo a todos os infelizes que fazem de suas vidas luas minguantes e se vestem com o escafandro de seus temores, afogados no sal de um oceano ressecado. Novos lhes sejam o ano, o governo Lula, a vida no espírito, revertidos e revestidos de ensolaradas esperanças.

Frei Betto é escritor, autor de “A arte de semear estrelas” (Rocco), entre outros livros.