‘Bolsa Família não é emancipatório. Quem sai pode voltar à miséria.’

UOL Notícias

Carlos Alberto Libânio Christo, o Frei Betto, conheceu a fome no Brasil quando passou cinco anos em uma favela de Vitória. Responsável pelo programa Fome Zero no primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva, o dominicano se tornou crítico do programa que o sucedeu, o Bolsa Família, por entender que ele não garante solução permanente para o problema. Segundo ele, seus resultados são suscetíveis às mudanças econômicas e políticas porque não exige que os beneficiários se tornem produtivos nem lhes dá a consciência crítica da cidadania. Sua profecia se realizou no governo de Jair Bolsonaro, quando a fome voltou ao País. Atualmente assessor da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), disse: “Se não se introduzir a dimensão educativa nas políticas sociais, nós vamos ter um governo balcão de benefícios”. Leia trechos da entrevista.

Por ser compensatório, o sr. diz que o Bolsa Família não garante a emancipação das famílias para erradicar o problema. Ou seja, se a política ou a economia sofrem abalos, a fome pode voltar. Esse seria o problema do Bolsa Família?

Essa questão para mim é fundamental. Toda a minha discordância com o fim do Fome Zero e a criação do Bolsa Família foi exatamente essa. O Fome Zero era um programa emancipatório porque ele incluía uma cesta de mais ou menos 60 diferentes programas, entre eles de capacitação profissional em que a família beneficiária em três ou quatro anos estaria em condição de produzir a própria renda e ficaria independente do governo. O Bolsa Família é bom, mas compensatório, não é emancipatório. Quem sai do Bolsa Família corre o risco de voltar para a miséria. Essa foi a minha discordância. Depois, porque o Fome Zero era controlado pelos comitês gestores nos municípios. E isso gerou revolta dos prefeitos, pois aquelas lideranças populares estavam se destacando e ameaçando as velhas oligarquias. Eles foram ao Planalto e ameaçaram sabotar o governo. E aí veio o Bolsa Família.

O que é fundamental na política contra a fome?

Considero fundamental dois procedimentos: primeiro a qualificação para que os beneficiários estejam em condições de produzir a própria renda. Não bastam como condicionalidade a carteira de vacina e a frequência à escola das crianças. E, segundo, a educação política.

O que seria essa educação?

Vou usar um termo do Paulo Freire: usar uma metodologia, uma pedagogia que tire a pessoa da consciência ingênua para a consciência crítica. Em outras palavras: a pessoa ter uma consciência de cidadania, saber o que é democracia e que o governo não está fazendo favor a ela, que ela é governo, ela é a referencia principal. O governo é servidor para ela.

Para que o Estado não seja capturado por interesses privados que se contrapõem ao interesse comum?

Exatamente isso.

Pode-se dizer que a rendição do governo Lula aos prefeitos cobrou um preço depois, quando esse flagelo voltou ao País?

Muito. O programa foi sendo descaracterizado. Estive em Bananeiras (PB) há dois anos, e as pessoas me disseram que ali não é mais a mulher que vai à Caixa pegar o dinheiro com o cartão do Bolsa Família. É o filho. E muitos para gastar em drogas. A coisa foi se afrouxando na medida em que passou a ser monitorado pelas prefeituras.

Há um ano, o senhor chamou Bolsonaro de ‘Bolsonero’ e dizia que ele tinha uma lira que tocava enquanto a Amazônia pegava fogo. E essa lira era o Arthur Lira. Essa mesma ‘lira’ será apoiada pelo PT para permanecer na presidência da Câmara. Como a música que vai sair daí pode ser diferente daquela de Bolsonaro se o instrumento é o mesmo?

Estou convencido de que o Lula hoje tem muita consciência do que devia ter feito e não fez. E mais. Possivelmente, essa é sua última chance, sai da frente que vou ir com trator. Está aí na própria escolha do Ministério. Até acho que, se o governo for bem, em 2026, ele será candidato de novo. Ele tem consciência disso. Agora, não dá para errar. Tem de fazer. Por outro lado, ele dá nó em pingo d’água. Veja aí a PEC da Transição, uma coisa de um gênio político. Ninguém imaginava que alguém que nem tomou posse ainda fosse capaz de conseguir isso que ele conseguiu. Mas ele terá de alguma maneira manter boas relações com um Congresso que é totalmente adverso. A questão é criar base política para daqui a dois anos colocar um candidato dele à frente da Câmara e do Senado.

Em 1946, o Josué de Castro publicou seu livro Geografia da Fome, cujo subtítulo era Pão ou Aço. Economistas dizem que esse é um falso dilema, que é possível desenvolver e ao mesmo tempo bater a fome. O sr. acha que esse é um falso dilema?

Acho que é um falso dilema justamente. Veja na crise de 2008. O que Lula fez? Pôs dinheiro na mão do povo e aumentou o consumo, que é a mesma coisa que ele está fazendo agora com a PEC da Transição, com R$ 600 e mais R$ 150 para cada criança. Mas isso tem de ser feito com pedagogia, de uma maneira inteligente e não como mero donativo ao povo. Não pode estabelecer políticas sociais que não tenham contra partida dos beneficiários. Isso é uma questão educativa. Se não se introduzir a dimensão educativa nas políticas sociais, nós vamos ter um governo de balcão de benefícios em vez da realização de direitos.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Feliz Ano Novo

Feliz Ano Novo aos que se acobertam sob o telhado de vidro do ano velho e recolhem pedras em suas aljavas. Aos colecionadores de afetos que jamais permitem que suas lagartas se transmutem em borboletas.

Feliz Ano Novo às bordadeiras de emoções que gastam a vida desfiando intrigas e agulhando a boa fama alheia. Aos céticos desprovidos de horizontes e aos que debruçam sobre a própria solidão para contemplar abismos.

Feliz Ano Novo aos sonegadores de esperanças e aos que creem apenas nos valores da Bolsa. Aos mancos de bondade, cegos de utopias, ébrios de ambições e medrosos perante a ousadia de viver. Aos que têm asas e não sabem voar, são águias e ciscam como galinhas, guardam em si um tigre e miam como gatos.

Feliz Ano Novo aos que exibem no pedestal de sua mente o próprio corpo, jejuam por razões estéticas e mendigam aos olhos alheios a moeda falsa da admiração convencional. Aos que ficam inebriados diante da paisagem televisiva e nunca contemplam a silenciosa orgia dos galhos retorcidos na copa de uma árvore. Aos que proferem palavras furtivas, segredam mentiras, sonham com elefantes de papel e tentam fugir da própria sombra.

Feliz Ano Novo aos voluntários da servidão, aos que amam amar desamores alheios e nunca experimentam uma paixão inefável. Aos crentes desprovidos de fé, aos que fazem de seus dias tijolos de catedrais opacas e naufragam em pingo d’água. Aos que cimentam árvores, fazem pontaria em orquídeas e pintam o verde de marrom. Aos que jamais escutam o silêncio, vociferam palavras sem nexo e tratam seus semelhantes como os motoristas reclamam de buracos na estrada.

Feliz Ano Novo aos que traçam labirintos em seus mapas imaginários, enfeitam a vida com buquês de impropérios e rasgam o ventre da água com os seixos adormecidos no leito de seus pesadelos. Aos que escondem montanhas debaixo da cama, congelam estrelas no bolso e torcem o arco-íris até sangrar.

Feliz Ano Novo aos que cavalgam em hipocampos grávidos de dinamites, multiplicam teorias para subtrair a prática e escondem a alegria no fundo da gaveta.

Feliz Ano Novo a todos os infelizes que fazem de suas vidas luas minguantes e se vestem com o escafandro de seus temores, afogados no sal de um oceano ressecado. Novos lhes sejam o ano, o governo Lula, a vida no espírito, revertidos e revestidos de ensolaradas esperanças.

Frei Betto é escritor, autor de “A arte de semear estrelas” (Rocco), entre outros livros.

Lula e a Educação Política

Escreveu Onelio Cardoso que o ser humano tem duas grandes fomes, a de pão e a de beleza. A primeira é saciável; a segunda, infindável. 

O que, em última instância, sacia a alma humana é preencher a fome de beleza, o sentido que se imprime à existência, ainda que exija sacrifícios. É o que explica indígenas aldeados se recusarem a trocar sua vida na selva pelos confortos da cidade ou missionários religiosos abandonarem a comodidade de suas famílias ricas para se dedicarem a comunidades duramente afetadas por pobreza e doenças.

Eis a razão do crescimento exponencial das Igrejas evangélicas: resgate da dignidade humana. O catador de material reciclável e a faxineira “invisíveis” para a sociedade, são reconhecidamente filhos e filhas de Deus no culto que reforça vínculos de solidariedade frente às dificuldades da vida.

No projeto original do Programa Fome Zero, em 2003, incluímos a perspectiva de associar a resposta à fome de pão à da fome de beleza. Cada família beneficiária passaria por um processo de educação cidadã. A garantia de cesta básica se somaria aos recursos pedagógicos capazes de “transformar a consciência ingênua em consciência crítica” (Paulo Freire, 1982).

A proposta não avançou porque o Fome Zero, de caráter emancipatório, deu lugar ao Bolsa Família, compensatório. Ainda assim, criou-se na esfera federal a Recid (Rede de Educação Cidadã), mobilizando cerca de 800 educadores populares. Infelizmente a Recid não mereceu o devido apoio do governo que tirou o Brasil do Mapa da Fome, mas não dessa cultura necrófila que naturaliza a desigualdade social e tantos preconceitos e discriminações.

Considero os governos do PT os melhores de nossa história republicana, os que mais asseguraram ao povo brasileiro os três principais direitos humanos: alimentação, saúde e educação. Faltou, no entanto, a educação política, a formação à cidadania, a mobilização em prol do protagonismo social. O abismo entre povo e governo não foi encurtado.

Nosso povo ainda não se deu conta de que ele é o ator político principal, e que governo não é uma gigantesca vaca com uma teta para cada boca. O resultado todos conhecemos: a incapacidade de o Planalto captar o caráter das manifestações populares de junho de 2013; a passividade da população frente ao golpe de Estado armado por Temer e antipetistas em 2016; e a eleição de Bolsonaro em 2018.

Lula inicia seu terceiro mandato. Sabe que não pode decepcionar e tem a responsabilidade de deixar um legado que impeça a nação de voltar a ser governada por negacionistas, belicistas e terraplanistas. Para isso, não basta destacar suas prioridades: o combate à fome e à insegurança alimentar, a proteção socioambiental e a redução da desigualdade social. É preciso incluir a educação política, cidadã e participativa da população. Porque da deseducação cuida a cultura neoliberal revestida de religiosidade alienante.

Como escreveu Paulo Freire (1981), “seria uma atitude ingênua esperar que as classes dominantes desenvolvessem uma forma de educação que proporcionasse às classes dominadas perceberem as injustiças sociais de maneira crítica.” Não há verdadeira democracia sem participação popular, fruto de conscientização, organização e mobilização do povo brasileiro.

Frei Betto é assessor de movimentos populares e autor de “Por uma educação crítica e participativa” (Rocco), entre outros livros.

Agenda Socioambiental ao Governo Lula

Não é fácil montar um novo governo. Em especial quando se sucede um desgoverno… E um desgoverno negacionista, fundamentalista, movido pelo Gabinete do Ódio e mestre em fake news. Por isso, sonega muitos dados da administração federal que deveriam ser republicanamente repassados à Equipe de Transição.

Este grupo intermediário, que faz a ponte entre o governo que sai e o que entra, não traz necessariamente em seu bojo figuras que haverão de ocupar cargos de comando a partir de 1º de janeiro de 2023. Sim, há exceções, como o próprio Alkmin, que coordena a transição, e líderes do PT, como Gleisi Hoffmann, Fernando Haddad e Aloizio Mercadante. 

Meu interesse não reside nos nomes que haverão de compor o governo. O que me importa é o programa de governo, como enfrentará os grandes desafios que se apresentam, em especial na área socioambiental que tanto preocupa o papa Francisco, autor de duas clássicas encíclicas sobre o tema, “Laudato Sí” (Louvado Sejas) e “Fratelli tutti” (Somos todos irmãos e irmãs).

Todos que votamos em Lula esperamos que seu governo não permita mais “passar a boiada”. A pauta socioambiental terá que ser exemplar. Fiscalização de nossos biomas, proibição de desmatamentos, apreensão de equipamentos dos garimpos ilegais, e punição dos responsáveis pelo ecocídio – eis o que o mundo espera do Brasil. A Amazônia é nossa e continuará nossa, mas dela depende a saúde do planeta.

Há que reduzir drasticamente o uso de agrotóxicos, a começar pela proibição dos que contêm glifosato. E valorizar a agroecologia, a produção orgânica de alimentos, e descartar as sementes geneticamente modificadas, como os antibióticos aplicados à pecuária. A mineração deve ser rigorosamente proibida em áreas indígenas e habitadas por comunidades tradicionais.

O governo deverá estar muito atento às pautas de suposta preservação ambiental patrocinadas por bancos e grandes empresas, em geral sob a sigla ESG ou de “economia verde”. Há muito de publicidade demagógica em tudo isso. Sobram propostas enganosas para, aparentemente, deter a crise climática e, também, muito interesse financeiro na exploração do mercado de carbono.

O importante é valorizar o “povo da floresta”, como assinalava Chico Mendes – os seringueiros, pescadores, ribeirinhos, coletores, pequenos agricultores e indígenas. São eles que mantêm em floresta em pé. A Polícia Federal, o Ibama e a Guarda Nacional deve ser devidamente qualificadas para proteger essas comunidades e reprimir implacavelmente seus agressores.

Para preservar a saúde do povo brasileiro, em especial em nossos biomas, o governo deverá multiplicar os recursos do SUS, retomar o programa Médicos da Família, inclusive trazendo de volta os profissionais cubanos para atuarem em municípios que não contam com a presença de nenhum médico brasileiro.

É preciso reduzir rigorosamente a produção dos alimentos ultraprocessados e aprimorar, tanto as informações nutricionais contidas nas embalagens, quanto a linguagem de comunicação, tornando-a mais didática. Basta o governo abraçar o que prescreve o “Guia Alimentar para a População Brasileira”. O uso de plástico deve ser banido de alimentos e bebidas. E a publicidade de cerveja deveria seguir as mesmas normas adotadas para os destilados.

Espera-se que o novo governo valorize a agroecologia e a agricultura familiar, que hoje produzem 70% dos alimentos que chegam à mesa do brasileiro. Dela deve proceder a merenda escolar. E a pauta da reforma agrária precisa ser destravada, pois não se justifica que neste país de dimensões continentais haja imensas áreas ociosas e muita gente sem terra e muita terra sem gente.

É preciso investir em fontes renováveis de energia, como a solar e a eólica, inclusive adotando-as no transporte público.

Os olhos do mundo estarão voltados para a questão ambiental no Brasil. O foco principal será a Amazônia. Mas não se admite dissociar natureza e ser humano, que é também ser de natureza. E os pobres são as principais vítimas da devastação ambiental, como tem enfatizado o papa Francisco. Portanto, o governo Lula deverá priorizar a ecologia integral, sustentável, socioambiental, sem medo de respirar dignidade e soberania.

Frei Betto é escritor, autor de “A obra do Artista – uma visão holística do Universo” (José Olympio)

A humanidade em risco

O capitalismo ameaça a sobrevivência da humanidade. Agravou a crise climática, a desigualdade social, o poderio bélico. As estações do ano parecem enlouquecidas: faz calor em pleno inverno e frio intenso no auge do verão. Furacões, ciclones e secas são como se Gaia arreganhasse os dentes para morder a espécie humana que, em busca insaciável de lucro, não cessa de violentá-la.

Os desastres ambientais quintuplicaram nos últimos 50 anos: desmatamento, queimadas, contaminação das águas fluviais e marítimas. Esses crimes matam 115 pessoas por dia e dão prejuízo diário de US$ 202 milhões. Em 2021, o planeta perdeu 11,1 milhões de hectares de florestas tropicais (World Resources Institute (WRI)/ Universidade de Maryland, EUA). Mais de 40% da perda da vegetação nativa mundial aconteceu no Brasil. A floresta amazônica, que se estende por nove países, já perdeu 30% de sua cobertura vegetal devido à pressão dos exportadores de madeira nobre e do agronegócio dedicado à pecuária e à produção de soja, exportadas para a Europa e a China.

Comunidades indígenas e camponesas são afetadas pela mineração predatória. O garimpo ilegal extrai ouro e diamante utilizando mercúrio, que contamina as águas e a terra. Em nenhum período anterior da história se utilizaram tantos agrotóxicos, em detrimento da fertilidade do solo, com extermínio da biodiversidade e poluição dos rios, lençóis freáticos e a atmosfera. 

A ciência já comprovou que o agrotóxico glifosato – o mais vendido no mundo – provoca câncer. Mais de 42 mil agricultores estadunidenses ganharam direito à indenização por terem sido expostos ao glifosato, um poderoso herbicida que mata ervas daninhas e o que se cultiva, exceto sementes transgênicas. 

As águas dos mares estão cada vez mais poluídas por plásticos e outros dejetos humanos, que eliminam muitas espécies de peixes e aniquilam a vida marinha. O uso crescente de fertilizantes químicos provoca a acidificação das águas oceânicas. No Oceano Pacífico, por exemplo, há uma grande mancha de lixo que se estende por 1 milhão de quilômetros quadrados. 

As cidades são poluídas pelo dióxido de carbono emitido pela queima de combustíveis fósseis, que aumenta as doenças respiratórias. E a Covid veio agravar a crise sanitária da humanidade, pois a destruição da biodiversidade e a expansão das fronteiras agrícolas pelo agronegócio provocam o aumento de zoonoses, ou seja, a transmissão de enfermidades de animais para seres humanos.

As comunidades indígenas e camponesas, que ao longo da história protegeram e cuidaram da biodiversidade, são vítimas de violências permanentes. O capital trata de agredi-las para assumir o controle dos territórios protegidos. 

A crise socioambiental, tão denunciada pelo papa Francisco em sua encíclica “Laudato Sí” (Louvado sejas), afeta a economia, a política e a ética. Bilhões de pessoas sofrem falta de alimentos, água, moradia, terra, emprego, educação e renda, e são obrigadas a migrar. 

A quem culpar por colocar a humanidade em risco? O único responsável é o sistema capitalista movido por sua desenfreada ganância de apropriação privada das riquezas e crescimento exponencial de lucro. Assim, impede a proteção de nossos biomas, a redução dos fluxos migratórios e a distribuição de uma renda básica a todos os 8 bilhões de habitantes da Terra. 

A crescente privatização do Estado nega à humanidade suficientes direitos trabalhistas e sociais. Fracassa a democracia formal e se ampliam os espaços dos governos autoritários. O capitalismo inocula nas pessoas, sobretudo crianças e jovens, forte tendência ao individualismo e ao consumismo. Os vínculos de solidariedade cedem lugar ao ódio e as diferenças – sexuais, étnicas, políticas – se tornam intransigentes divergências. 

As mais poderosas corporações transnacionais não respeitam fronteiras, leis, Estados, governos e direitos dos povos. Empresas como Bayer, BASF, Monsanto, Syngenta e DuPont fabricam agrotóxicos, exploram a mineração predatória, multiplicam veículos e sistemas de energia elétrica movidos a combustíveis fósseis. Coca-Cola, Pepsi e Nestlé controlam o mercado de água e considerável parcela do mercado mundial de alimentos. Associados, estão os bancos e o capital financeiro.

Somam-se a essas empresas e bancos as poderosas corporações de tecnologia que controlam a opinião pública, como Amazon, Microsoft, Google, Facebook/Meta e Apple.

Por sua vez, os governos encobrem os crimes corporativos e a grande mídia, dependente da publicidade desse conglomerado, evita denunciar as violações cometidas pelas corporações e apontar os culpados. 

Diante de tais ameaças só resta à sociedade civil se fortalecer via movimentos populares e sociais, grupos identitários e sindicatos, comunidades religiosas e partidos políticos progressistas. Há que buscar “um outro mundo possível” e intensificar a educação política, crítica e participativa dos segmentos excluídos e vulneráveis. Fora do povo não há salvação. Nem libertação. 

Frei Betto é escritor, autor de “Por uma educação crítica e participativa” (Rocco), entre outros livros.