O corrupto

Padre Vieira, em São Luís do Maranhão, no sermão em homenagem à festa de santo Antônio, em 1654, indagava: “O efeito do sal é impedir a corrupção, mas quando a terra se vê tão corrupta como está a nossa, havendo tantos nela que têm ofício de sal, qual será, ou qual pode ser a causa desta corrupção?” A seu ver, havia duas causas principais: a contradição de quem deveria salgar e a incredulidade do povo diante de tantos atos que não correspondiam às palavras.

O corrupto caracteriza-se por não se admitir como tal. Esperto, age movido pela ambição de dinheiro. Não é propriamente um ladrão. Antes, trata-se de um requintado chantagista, desses de conversa frouxa, sorriso amável, salamaleques gentis.

O corrupto não se expõe; extorque. Considera a comissão um direito; a porcentagem, pagamento por seus serviços; o desvio, forma de apropriar-se do que lhe pertence. Bobos são aqueles que fazem tráfico de influência sem tirar proveito.

Há muitos tipos de corruptos. O corrupto oficial é aquele que se vale de uma função público para tirar proveitos a si, à família e aos amigos. Troca a placa do carro, embarca a mulher com passagem cuesteada pelo erário, faz gastos e obriga o contribuinte a pagar. Considera natural o superfaturamento, a ausência de licitação, a concorrência com cartas marcadas.

A lógica do corrupto é corrupta: “Se não faço, outro leva vantagem em meu lugar”. Seu único temor é ser apanhado em flagrante delito. Não se envergonha de se olhar no espelho, apenas teme ver seu nome estampado nos jornais. Confiante, jamais imagina a filha pequena a indagar-lhe: “Papai, é verdade que você é corrupto?”

O corrupto não sente nenhum escrúpulo em receber caixas de uísque no Natal, presentes caros de fornecedores ou andar de carona em jatinhos de empresários. Afrouxam-lhe com agrados e, assim, ele afrouxa a burocracia que retém as verbas públicas.

Há o corrupto privado. Nunca menciona quantias, tão-somente insinua, cauteloso, como se convencido de que cada uma de sua palavras estão sendo registradas por um gravador. Assim, ele se torna o rei da metáfora. Nunca é direto. Fala em circunlóquios, seguro de que o interlocutor saberá ler nas entrelinhas.

O corrupto franciscano pratica o toma lá, dá cá. Seu lema é “quem não chora, não mama”. Não ostenta riquezas, não viaja ao exterior, faz-se de pobretão para melhor encobrir a maracutaia. É o primeiro a indignar-se quando o assunto é a corrupção que grassa pelo país.

O corrupto exibido gasta o que não ganha, constrói mansões, enche o latifúndio de bois, convencido de que puxa-saquismo é amizade e sorriso cúmplice, cegueira. Vangloria-se em sua astúcia em enganar a esposa e mentir aos colegas.

O corrupto nostálgico orgulha-se do pai ferroviário, da mãe professora, de sua origem humilde na roça, mas está intimamente convencido de que, tivessem as mesmas oportunidades de meter a mão na cumbuca, seus antepassados não deixariam passar.

O corrupto não sorri, agrada; não cumprimenta, estende a mão; não elogia, incensa; não possui valores, apenas saldo bancário. Se tal modo se corrompe que nem mais percebe que é um corrupto. Julga-se um negocista bem sucedido.

Melífluo, o corrupto é cheio de dedos, encosta-se nos honestos para se lhe aproveitar a sombra, trata os subalternos com uma dureza que o faz parecer o mais íntegro dos seres humanos. Aliás, o corrupto acredita piamente que todos o consideram de uma lisura capaz de causar inveja em madre Teresa de Calcutá.

O corrupto julga-se dotado de uma inteligência que o livra do mundo dos ingênuos e torna mais arguto e esperto do que o comum dos mortais.

A escola dos meus sonhos

Na escola de meus sonhos, os alunos aprendem a cozinhar, costurar, consertar eletrodomésticos, fazer pequenos reparos de eletricidade e de instalações hidráulicas, conhecer mecânica de automóvel e de geladeira, e algo de construção civil. Trabalham em horta, marcenaria e oficinas de escultura, desenho, pintura e música. Cantam no coro e tocam na orquestra.

Uma semana ao ano integram-se, na cidade, ao trabalho de lixeiros, enfermeiras, carteiros, guardas de trânsito, policiais, repórteres, feirantes e cozinheiros profissionais. Assim, aprendem como a cidade se articula por baixo, mergulhando em suas conexões subterrâneas que, à superfície, nos asseguram limpeza urbana, socorro de saúde, segurança, informação e alimentação.

Não há temas tabus. Todas as situações-limites da vida são tratadas com abertura e profundidade: dor, perda, falência, parto, morte, enfermidade, sexualidade e espiritualidade. Ali os alunos aprendem o texto dentro do contexto: a matemática busca exemplos na corrupção dos precatórios e nos leilões das privatizações; o português, na fala dos apresentadores de TV e nos textos de jornais; a geografia, nos suplementos de turismo e nos conflitos internacionais; a física, nas corridas da Fórmula 1 e pesquisas do supertelescópio Hubble; a química, na qualidade dos cosméticos e na culinária; a história, na violência de policiais a cidadãos, para mostrar os antecedentes na relação colonizadores-índios, senhores-escravos, Exército-Canudos etc.

Na escola dos meus sonhos, a interdisciplinaridade permite que os professores de biologia e de educação física se complementem; a multidisciplinaridade faz com que a história do livro seja estudada a partir da análise de textos bíblicos; a transdisciplinaridade introduz aulas de meditação e de dança, e associa a história da arte à história das ideologias e das expressões litúrgicas.

Se a escola for laica, o ensino religioso é plural: o rabino fala do judaísmo; o pai-de-santo do candomblé; o padre do catolicismo; o médium do espiritismo; o pastor do protestantismo; o guru do budismo etc. Se for católica, promove retiros espirituais e adequação do currículo ao calendário litúrgico da Igreja.

Na escola dos meus sonhos, os professores são obrigados a fazerem periódicos treinamentos e cursos de capacitação, e só são admitidos se, além da competência, comungam com os princípios fundamentais da proposta pedagógica e didática. Porque é uma escola com ideologia, visão de mundo e perfil definido sobre o que são democracia e cidadania. Essa escola não forma consumidores, mas cidadãos.

Ela não briga com a TV, mas leva-a para a sala de aula: são exibidos vídeos de anúncios e programas e, em seguida, analisados criticamente. A publicidade do iogurte é debatida; o produto, adquirido; sua química, analisada e comparada com a fórmula declarada pelo fabricante; as incompatibilidades denunciadas, bem como os fatores porventura nocivos à saúde. O programa de auditório de domingo é destrinchado: a proposta de vida subjacente; a visão de felicidade; a relação animador-platéia; os tabus e preconceitos reforçados etc. Em suma, não se fecha os olhos à realidade; muda-se a ótica de encará-la.

Há uma integração entre escola, família e sociedade. A Política, com P maiúsculo, é disciplina obrigatória. As eleições para o grêmio ou diretório estudantil são levadas a sério e um mês por ano setores não vitais da instituição são administrados pelos próprios alunos. Os políticos e candidatos são convidados para debates e seus discursos analisados e comparados às suas práticas.

Não há provas baseadas no prodígio da memória nem na sorte da múltipla escolha. Como fazia meu velho mestre Geraldo França de Lima, professor de História (hoje romancista e membro da Academia Brasileira de Letras), no dia da prova sobre a Independência do Brasil os alunos traziam à classe toda a bibliografia pertinente e, dadas as questões, consultavam os textos, aprendendo a pesquisar.

Não há coincidência entre o calendário gregoriano e o curricular. João pode cursar a 5ª série em seis meses ou em seis anos, dependendo de sua disponibilidade, aptidão e recursos.

É mais importante educar que instruir; formar pessoas que profissionais; ensinar a mudar o mundo que a ascender à elite. Dentro de uma concepção holística, ali a ecologia vai do meio ambiente aos cuidados com nossa unidade corpo-espírito, e o enfoque curricular estabelece conexões com o noticiário da mídia.

Na escola dos meus sonhos, os professores são bem pagos e não precisam pular de colégio em colégio para poderem se manter. Pois é a escola de uma sociedade onde educação não é privilégio, mas direito universal e, o acesso a ela, dever obrigatório.

Frei Betto é escritor, autor de “Alfabetto – Autobiografia Escolar” (Ática), “Por uma educação crítica e participativa” (Rocco); e, com Paulo Freire e Ricardo Kotscho, “Essa escola chamada vida” (Ática), entre outros livros.

Alteridade

O que é alteridade? É ser capaz de apreender o outro na plenitude da sua dignidade, dos seus direitos e, sobretudo, da sua diferença. Quanto menos alteridade existe nas relações pessoais e sociais, mais conflitos ocorrem.

A nossa tendência é colonizar o outro, ou partir do princípio de que eu sei e ensino para ele. Ele não sabe. Eu sei melhor e sei mais do que ele. Toda a estrutura do ensino no Brasil, criticada pelo professor Paulo Freire, é fundada nessa concepção. O professor ensina e o aluno aprende. É evidente que nós sabemos algumas coisas e, aqueles que não foram à escola, sabem outras tantas, e graças a essa complementação vivemos em sociedade. Como disse um operário num curso de educação popular: “Sei que, como todo mundo, não sei muitas coisas”.

Numa sociedade como a brasileira em que o apartheid é tão arraigado, predomina a concepção de que aqueles que fazem serviço braçal não sabem. No entanto, nós que fomos formados como anjos barrocos da Bahia e de Minas, que só têm cabeça e não têm corpo, não sabemos o que fazer das mãos. Passamos anos na escola, saímos com Ph.D., porém não sabemos cozinhar, costurar, trocar uma tomada ou um interruptor, identificar o defeito do automóvel… e nos consideramos eruditos. E o que é pior, não temos equilíbrio emocional para lidar com as relações de alteridade.

Daí por que, agora, substituíram o Q.I. para o Q.E., o Quociente Intelectual para o Quociente Emocional. Por quê? Porque as empresas estão constatando que há, entre seus altos funcionários, uns meninões infantilizados, que não conseguem lidar com o conflito, discutir com o colega de trabalho, receber uma advertência do chefe e, muito menos, fazer uma crítica ao chefe.

Bem, nem precisamos falar de empresa. Basta conferir na relação entre casais. Haja reações infantis…

Quem dera fosse levada à prática a idéia de, pelo menos a cada três meses, um setor da empresa fazer uma avaliação, dentro da metodologia de crítica e autocrítica. E que ninguém ficasse isento dessa avaliação. Como Jesus um dia fez, ao reunir um grupo dos doze e perguntar: “O que o povo pensa de mim?” E depois acrescentou: “E o que vocês pensam de mim?”

Quem, na cultura ocidental, melhor enfatizou a radical dignidade de cada ser humano, inclusive a sacralidade, foi Jesus. O sujeito pode ser paralítico, cego, imbecil, inútil, pecador, mas ele é templo vivo de Deus, é imagem e semelhança de Deus. Isso é uma herança da tradição hebraica. Todo ser humano, dentro da perspectiva judaica ou cristã, é dotado de dignidade pelo simples fato de ser vivo. Não só o ser humano, todo o Universo. Paulo, na Epístola aos Romanos, assinala: “Toda a Criação geme em dores de parto por sua redenção”.

Dentro desse quadro, o desafio que se coloca para nós é como transformar essas cinco instituições pilares da sociedade em que vivemos: família, escola, Estado (o espaço do poder público, da administração pública), Igreja (os espaços religiosos) e trabalho. Como torná-los comunidades de resgate da cidadania e de exercício da alteridade democrática? O desafio é transformar essas instituições naquilo que elas deveriam ser sempre: comunidades. E comunidades de alteridade.

Aqui entra a perspectiva da generosidade. Só existe generosidade na medida em que percebo o outro como outro e a diferença do outro em relação a mim. Então sou capaz de entrar em relação com ele pela única via possível – porque, se tirar essa via, caio no colonialismo, vou querer ser como ele ou que ele seja como sou – a via do amor, se quisermos usar uma expressão evangélica; a via do respeito, se quisermos usar uma expressão ética; a via do reconhecimento dos seus direitos, se quisermos usar uma expressão jurídica; a via do resgate do realce da sua dignidade como ser humano, se quisermos usar uma expressão moral. Ou seja, isso supõe a via mais curta da comunicação humana, que é o diálogo e a capacidade de entender o outro a partir da sua experiência de vida e da sua interioridade.

Frei Betto é escritor, autor de “Alfabetto – autobiografia escolar” (Ática), entre outros livros.

Prefácios

Não faço prefácios de livros. Nem apresentações. Decisão tomada há cinco anos ao não suportar pressões de neoescritores para que eu escrevesse o quanto antes. Deixar de lado meu trabalho literário para ler obra alheia, fora do meu campo de interesse naquele momento, fazia-me perder o fio da meada. Pior quando eu não gostava do texto e, ao apontar falhas ou imaturidade na escrita, e recusar o prefácio, criava uma saia justa e, em alguns casos, perdia uma amizade.

Escritores têm muitas virtudes, como a persistência de tecer (daí texto) letrinha por letrinha e de conter a ansiedade até sentir que deu o melhor de si. Porém, somos um balaio de defeitos. O mais notório é a vaidade literária. Você ousa dizer à mãe que o filho dela é horroroso? Do mesmo modo, escritores acreditam que suas obras são o máximo! Se alguém fala mal do livro, não é o livro que não presta, é o detrator que é burro, ignorante, carece de cultura para apreender o valor da obra…

Você conhece algum clássico da literatura de ficção precedido de prefácio? Prefácio é para obras antigas que requerem contextualizar o leitor hodierno. Fora disso, funciona como cartão de apresentação. Ora, se alguém vem a você apresentado por seu melhor amigo, nem por isso significa que seja simpático e confiável como seu amigo. Do mesmo modo, não há prefácio que salve a má qualidade de uma obra de ficção. Pode ser assinado por James Joyce ou Gabriel Garcia Márquez. É o livro em si que cativa ou não o leitor. Aliás, tentei três vezes ler e apreciar Ulisses do Joyce, atraído pelo prefácio de Antônio Houaiss. Devido à minha obtusidade, fracassei.

Entendo que um escritor iniciante queira ver a sua obra recomendada por autor consagrado. Também não escapei da tentação de pedir a Tristão de Athayde e Dom Paulo Evaristo Arns para prefaciarem meus dois primeiros livros: Cartas da Prisão (Agir) e Das Catacumbas (hoje incluído no volume da Agir).

Em livro de ficção prefácio não se justifica. Exceto se se trata de tragédia grega ou de obra traduzida cujo autor seja desconhecido de seu novo público. Fora disso, há que ir direto ao texto e avaliá-lo por sua qualidade intrínseca, e não pelos confetes jogados pelo prefaciador. Aliás, já li prefácios melhores que o próprio livro recomendado.

O que escritores inéditos devem fazer, frente à recusa das editoras em publicá-los, é enviar seus originais aos inúmeros concursos literários. Um livro premiado abre portas de editoras. E jamais se deixarem abater pela recusa do editor. Proust foi rejeitado por André Gide, editor da Gallimard, e Carmen Balcells, uma das mais prestigiadas agentes literárias do mundo, devolveu a Umberto Eco os originais de O nome da rosa por considerá-lo, não um romance, mas uma tese acadêmica romanceada… A editora inglesa Hogarth Press recusou os originais de Ulisses, o que Virginia Woolf, publicada por ela, considerava “uma memorável catástrofe”.

Tornar-se um autor – pois escritores há muitos – é uma tarefa árdua. Exige persistência e, sobretudo, muita leitura e tempo dedicado a escrever e reescrever inúmeras vezes o mesmo texto. Em se tratando de ficção, ele nunca está definitivamente pronto. Como dizia Paul Valéry, não se termina um romance, apenas o abandona…

Meu primeiro editor foi Ênio Silveira, da Civilização Brasileira. Perguntei a ele como saber que um livro está maduro para ser remetido à editora. Respondeu: “Nunca o faça sem estar convencido de que você fez o melhor. Não blefe consigo mesmo.”

Guimarães Rosa adotava e recomendava o hábito de, terminado um livro, deixá-lo na gaveta “descansar”, como massa de bolo, por uns meses e, então, relê-lo. O autor certamente o fará com olho crítico, aprimorando o texto. Além de seguir-lhe o conselho, sempre repasso meus originais a meia-dúzia de leitores qualificados para que façam críticas e sugestões.

Frei Betto é escritor, autor de “Hotel Brasil – o mistério das cabeças degoladas” (Rocco), entre outros livros.

Peço desculpas

Estou gravemente enfermo. Gostaria de manifestar publicamente minhas escusas a todos que confiaram cegamente em mim. Acreditaram em meu suposto poder de multiplicar fortunas. Depositaram em minhas mãos o fruto de anos de trabalho, as economias familiares, o capital de seus empreendimentos.

Peço desculpas a quem assiste às suas economias evaporarem pelas chaminés virtuais das Bolsas de Valores, bem como àqueles que se encontram asfixiados pela inadimplência, os juros altos, a escassez de crédito, a proximidade da recessão.

Sei que nas últimas décadas extrapolei meus próprios limites. Arvorei-me em rei Midas, criei em torno de mim uma legião de devotos, como se eu tivesse poderes divinos. Meus apóstolos – os economistas neoliberais – saíram pelo mundo a apregoar que a saúde financeira dos países estaria tanto melhor quanto mais eles se ajoelhassem a meus pés.

Fiz governos e opinião pública acreditarem que o meu êxito seria proporcional à minha liberdade. Desatei-me das amarras da produção e do Estado, das leis e da moralidade. Reduzi todos os valores ao cassino global das Bolsas, transformei o crédito em produto de consumo, convenci parcela significativa da humanidade de que eu seria capaz de operar o milagre de fazer brotar dinheiro do próprio dinheiro, sem o lastro de bens e serviços.

Abracei a fé de que, frente às turbulências, eu seria capaz de me auto-regular, como ocorria à natureza antes de ter seu equilíbrio afetado pela ação predatória da chamada civilização. Tornei-me onipotente, supus-me onisciente, impus-me ao planeta como onipresente. Globalizei-me.

Passei a jamais fechar os olhos. Se a Bolsa de Tóquio silenciava à noite, lá estava eu eufórico na de São Paulo; se a de Nova York encerrava em baixa, eu me recompensava com a alta de Londres. Meu pregão em Wall Street fez de sua abertura uma liturgia televisionada para todo o orbe terrestre. Transformei-me na cornucópia de cuja boca muitos acreditavam que haveria sempre de jorrar riqueza fácil, imediata, abundante.

Peço desculpas por ter enganado a tantos em tão pouco tempo; em especial aos economistas que muito se esforçaram para tentar imunizar-me das influências do Estado. Sei que, agora, suas teorias derretem como suas ações, e que o estado de depressão em que vivem se compara ao dos bancos e das grandes empresas.

Peço desculpas por induzir multidões a acolher, como santificadas, as palavras de meu sumo pontífice Alan Greenspan, que ocupou a sé financeira durante dezenove anos. Admito ter ele incorrido no pecado mortal de manter os juros baixos, inferiores ao índice da inflação, por longo período. Assim, estimulou milhões de usamericanos à busca de realizarem o sonho da casa própria. Obtiveram créditos, compraram imóveis e, devido ao aumento da demanda, elevei os preços e pressionei a inflação. Para contê-la, o governo subiu os juros… e a inadimplência se multiplicou como uma peste, minando a suposta solidez do sistema bancário.

Sofri um colapso. Os paradigmas que me sustentavam foram engolidos pela imprevisibilidade do buraco negro da falta de crédito. A fonte secou. Com as sandálias da humildade nos pés, rogo ao Estado que me proteja de uma morte vergonhosa. Não posso suportar a idéia de que eu, e não uma revolução de esquerda, sou o único responsável pela progressiva estatização do sistema financeiro. Não posso imaginar-me tutelado pelos governos, como nos países socialistas. Logo agora que os Bancos Centrais, uma instituição pública, ganhavam autonomia em relação aos governos que os criaram e tomavam assento na ceia de meus cardeais, o que vejo? Desmorona toda a cantilena de que fora de mim não há salvação.

Peço desculpas antecipadas pela quebradeira que se desencadeará neste mundo globalizado. Adeus ao crédito consignado! Os juros subirão na proporção da insegurança generalizada. Fechadas as torneiras do crédito, o consumidor se armará de cautelas e as empresas padecerão a sede de capital; obrigadas a reduzir a produção, farão o mesmo com o número de trabalhadores. Países exportadores, como o Brasil, verão menos clientes do outro lado do balcão; portanto, trarão menos dinheiro para dentro de seu caixa e terão que repensar suas políticas econômicas.

Peço desculpas aos contribuintes dos países ricos que vêem seus impostos servirem de bóia de salvamento de bancos e financeiras, fortuna que deveria ser aplicada em direitos sociais, preservação ambiental e cultura.

Eu, o mercado, peço desculpas por haver cometido tantos pecados e, agora, transferir a vocês o ônus da penitência. Sei que sou cínico, perverso, ganancioso. Só me resta suplicar para que o Estado tenha piedade de mim.

Não ouso pedir perdão a Deus, cujo lugar almejei ocupar. Suponho que, a esta hora, Ele me olha lá de cima com aquele mesmo sorriso irônico com que presenciou a derrocada da torre de Babel.

Frei Betto é escritor, autor de “Cartas da Prisão” (Agir), entre outros livros.

Passeio socrático

Ao viajar pelo Oriente, mantive contatos com monges do Tibete, da Mongólia, do Japão e da China. Eram homens serenos, comedidos, recolhidos em paz nos seus mantos cor de açafrão.

Outro dia, eu observava o movimento do aeroporto de São Paulo: a sala de espera cheia de executivos dependurados em telefones celulares; mostravam-se preocupados, ansiosos e, na lanchonete, comiam mais do que deviam. Com certeza, já haviam tomado café da manhã em casa, mas como a companhia aérea oferecia um outro café, muitos demonstravam um apetite voraz. Aquilo me fez refletir: Qual dos dois modelos produz felicidade? O dos monges ou o dos executivos?

Encontrei Daniela, 10 anos, no elevador, às nove da manhã, e perguntei: “Não foi à aula?” Ela respondeu: “Não; minha aula é à tarde”. Comemorei: “Que bom, então de manhã você pode brincar, dormir um pouco mais”. “Não”, ela retrucou, “tenho tanta coisa de manhã…” “Que tanta coisa?”, indaguei. “Aulas de inglês, balé, pintura, piscina”, e começou a elencar seu programa de garota robotizada. Fiquei pensando: “Que pena, a Daniela não disse: ‘Tenho aula de meditação!’”

A sociedade na qual vivemos constrói super-homens e supermulheres, totalmente equipados, mas muitos são emocionalmente infantilizados. Por isso as empresas consideram que, agora, mais importante que o QI (Quociente Intelectual), é a IE (Inteligência Emocional). Não adianta ser um superexecutivo se não se consegue se relacionar com as pessoas. Ora, como seria importante os currículos escolares incluírem aulas de meditação!

Uma próspera cidade do interior de São Paulo tinha, em 1960, seis livrarias e uma academia de ginástica; hoje, tem sessenta academias de ginástica e três livrarias! Não tenho nada contra malhar o corpo, mas me preocupo com a desproporção em relação à malhação do espírito. Acho ótimo, vamos todos morrer esbeltos: “Como estava o defunto?”. “Olha, uma maravilha, não tinha uma celulite!” Mas como fica a questão da subjetividade? Da espiritualidade? Da ociosidade amorosa?

Outrora, falava-se em realidade: análise da realidade, inserir-se na realidade, conhecer a realidade. Hoje, a palavra é virtualidade. Tudo é virtual. Pode-se fazer sexo virtual pela internet: não se pega aids, não há envolvimento emocional, controla-se no mouse. Trancado em seu quarto, em Brasília, um homem pode ter uma amiga íntima em Tóquio, sem nenhuma preocupação de conhecer o seu vizi¬nho de prédio ou de quadra! Tudo é virtual, entramos na virtualidade de todos os valores, não há compromisso com o real! É muito grave esse processo de abstração da linguagem, de sentimentos: somos místicos virtuais, religiosos virtuais, cidadãos virtuais. Enquanto isso, a realidade vai por outro lado, pois somos também eticamente virtuais…

A cultura começa onde a natureza termina. Cultura é o refinamento do espírito. Televisão, no Brasil – com raras e honrosas exceções -, é um problema: a cada semana que passa, temos a sensação de que ficamos um pouco menos cultos. A palavra hoje é ‘entretenimento’; domingo, então, é o dia nacional da imbecilidade coletiva. Imbecil o apresentador, imbecil quem vai lá e se apresenta no palco, imbecil quem perde a tarde diante da tela. Como a publicidade não consegue vender felicidade, passa a ilusão de que felicidade é o resultado da soma de prazeres: “Se tomar este refrigerante, vestir este tênis,¬ usar esta camisa, comprar este carro, você chega lá!” O problema é que, em geral, não se chega! Quem cede desenvolve de tal maneira o desejo, que acaba¬ precisando de um analista. Ou de remédios. Quem resiste, aumenta a neurose.
Os psicanalistas tentam descobrir o que fazer com o desejo dos seus pacientes. Colocá-los onde? Eu, que não sou da área, posso me dar o direito de apresentar uma su-gestão. Acho que só há uma saída: virar o desejo para dentro. Porque, para fora, ele não tem aonde ir! O grande desafio é virar o desejo para dentro, gostar de si mesmo, começar a ver o quanto é bom ser livre de todo esse condicionamento globocolonizador, neoliberal, consumista. Assim, pode-se viver melhor. Aliás, para uma boa saúde mental três requisitos são indispensáveis: amizades, auto-estima, ausência de estresse.

Há uma lógica religiosa no consumismo pós-moderno. Se alguém vai à Europa e visita uma pequena cidade onde há uma catedral, deve procurar saber a história daquela cidade – a catedral é o sinal de que ela tem história. Na Idade Média, as cidades adquiriam status construindo uma catedral; hoje, no Brasil, constrói-se um shopping center. É curioso: a maioria dos shopping centers tem linhas arquitetônicas de catedrais estilizadas; neles não se pode ir de qualquer maneira, é preciso vestir roupa de missa de domingos. E ali dentro sente-se uma sensação paradisíaca: não há mendigos, crianças de rua, sujeira pelas calçadas…

Entra-se naqueles claustros ao som do gregoriano pós-moderno, aquela musiquinha de esperar dentista. Observam-se os vários nichos, todas aquelas capelas com os veneráveis objetos de consumo, acolitados por belas sacerdotisas. Quem pode comprar à vista, sente-se no reino dos céus. Se deve passar cheque pré-datado, pagar a crédito, entrar no cheque especial, sente-se no purgatório. Mas se não pode comprar, certamente vai se sentir no inferno… Felizmente, terminam todos na eucaristia pós-moderna, irmanados na mesma mesa, com o mesmo suco e o mesmo hambúrguer de uma cadeia transnacional de sanduíches saturados de gordura…

Costumo advertir os balconistas que me cercam à porta das lojas: “Estou apenas fazendo um passeio socrático.” Diante de seus olhares espantados, explico: “Sócrates, filósofo grego, que morreu no ano 399 antes de Cristo, também gostava de descansar a cabeça percorrendo o centro comercial de Atenas. Quando vendedores como vocês o assediavam, ele respondia: “Estou apenas observando quanta coisa existe de que não preciso para ser feliz.”

Frei Betto é escritor, autor, em parceria com Luis Fernando Veríssimo e outros, de “O desafio ético” (Garamond), entre outros livros.

Deus é negro

Trago no sangue uma África. O reboar de tambores, a ponta afiada de lanças, os riscos coloridos realçando a pele e, na boca, o gosto atávico dos frutos do Jardim do Éden. Na alma, as cicatrizes abertas de tantos açoites, o grito imperial dos caçadores de gente, os filhos apartados de seus pais e os maridos de suas mulheres, o balanço agônico da travessia do Atlântico e, nos porões, a morte ceifando corpos engolidos pelo mar e triturados pelos dentes afiados dos peixes.

Sou filho de Ogum e Oxalá, devoto de Iemanjá, a quem elevo as oferendas de todas as dores e cores, lágrimas e sabores, o choro inconsolável das senzalas, a carne lanhada de cordas, os pulsos e os tornozelos a ferros, a solidão da raça, o ventre rasgado e engravidado pela feroz pulsão dos senhores da Casa Grande.

Restam-me, na cuia de madeira, as sobras do suíno descarnado e, enquanto a mesa colonial saboreia o lombo, rasgo peles e orelhas, refogo em banha o feijão, fatio em paio as carnes, frito lingüiças e torresmos, apimento e condimento, e me empanturro. No alambique, colho a seiva ardente da cana, e me transporto aos ancestrais, às savanas e florestas, ao tempo de imensurável liberdade.

Nas noites de Casa Grande vazia e capatazes bêbados, enfeito o meu corpo de tinturas e, espelhado no reflexo da Lua, adorno braços e pernas, cubro-me de colares e braçadeiras e, ao som inebriante do batuque, danço, danço, danço, exorcizando tristezas, exconjurando maus espíritos, imprimindo ao movimento de todos os meus membros o impulso irrefreável do vôo do espírito.

Sou escravo e, no entanto, senhor de mim mesmo, pois não há ferrolho que me tranque a consciência nem moralismo que me faça encarar o corpo com os olhos da vergonha. Faço do sexo festa, do carinho, liturgia, do amor, bonança, multiplicando a raça na esperança de quem fertiliza sementes. Dou ao senhor novos braços que haverão de derrubá-lo de seu trono.

Comungo a exuberância da natureza, as copas das árvores são meus templos, do fogão de lenha trago as ofertas, em meu ser trafegam, céleres, cavalos alados, e sigo o mapa traçado pelos búzios, que me ensinam que não há dor que sempre dura, mas o verdadeiro amor perdura. Tão povoado é o céu de minhas crenças que não rejeito nem mesmo a santeria do clero. Antes, reverencio o cavalo de são Jorge, transfiro aos altares a devoção aos meus orixás, lanço ao rio a Virgem negra na fé de que, entre tantas brancas, trazidas no andor do senhor de escravos, chegará o tempo em que a minha será Aparecida e, a seus pés, também os joelhos dos brancos haverão de se dobrar.

Sou liberto e, no fundo das matas, recrio um espaço de liberdade, defendendo com espírito guerreiro o meu reduto de paz. No quilombo, volto à África, resgato a força mistérica do meu idioma, celebro reisados e congadas, o canto livre ecoando no coro da passarada, as águas da cachoeira expurgando-me de todo temor, as árvores em sentinela cobertas de mil olhos vigilantes.

Cidadão brasileiro, ainda luto por alforria, empenhado em abolir preconceitos e discriminações, grilhões forjados na inconsciência e inconsistência dos que insistem em fazer da diferença divergência e ignoram que Deus é também negro.

Frei Betto é escritor, autor de “Batismo de Sangue” (Rocco), entre outros livros.

Arte da tolerância

Tolerância é a capacidade de aceitar o diferente. Não confundir com o divergente. Intolerância é não suportar a pluralidade de opiniões e posições, crenças e idéias, como se a verdade fizesse morada em mim e todos devessem buscar a luz sob o meu teto.

Conta a parábola que um pregador reuniu milhares de chineses para pregar-lhes a verdade. Ao final do sermão, em vez de aplausos houve um grande silêncio. Até que uma voz se levantou ao fundo: “O que o senhor disse não é a verdade”. O pregador indignou-se: “Como não é verdade? Anunciei o que me foi revelado pelos céus!” O objetante retrucou: “Existem três verdades.

A do senhor, a minha e a verdade verdadeira. Nós dois, juntos, devemos buscar a verdade verdadeira”.

Só os intolerantes se julgam donos da verdade. Assim ocorre com Bin Laden, ao manter-se intransigente e não admitir os direitos dos não-muçulmanos, e com Bush, ao decidir que suas armas são o melhor argumento para convencer o mundo de que a Casa Branca tem sempre razão.

Todo intolerante é inseguro. Por isso, aferra-se a seus caprichos como náufrago à tábua que o mantém à tona. Não é capaz de ver o outro como outro. A seus olhos, o outro é um concorrente, um inimigo ou, como diz um personagem de Sartre, “o inferno”. Ou um potencial discípulo que deve acatar docilmente suas opiniões.

O tolerante evita colonizar a consciência alheia. Admite que, da verdade, ele apreende apenas alguns fragmentos, e que ela só pode ser alcançada por esforço comunitário. Reconhece no outro a alteridade radical, singular, que jamais deve ser negada.

Pode-se aplicar ao tolerante o perfil descrito por são Paulo no Hino ao Amor da 1ª carta aos Coríntios (13, 4-7): “é paciente e prestativo, não é invejoso nem ostenta, não se incha de orgulho e nada faz de inconveniente, não procura seu próprio interesse, não se irrita nem guarda rancor. Não se alegra com a injustiça e se rejubila com a verdade. Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.”

Ser tolerante não significa ser bobo. Tolerância não é sinônimo de tolice. O tolerante não desata tempestade em copo d’água, não troca o atacado pelo varejo, não gasta saliva com quem não vale um cuspe. Jamais cede quando se trata de defender a justiça, a dignidade e a honra, bem como o direito de cada um ter princípios e agir conforme a sua consciência, desde que isso não resulte em opressão ou exclusão, humilhação ou morte.

Das intolerâncias, a mais repugnante é a religiosa, pois divide o que Deus uniu. Quem somos nós para, em nome de Deus, decretar se esses são os eleitos e, aqueles, os condenados?

Só o amor torna um coração verdadeiramente tolerante. Porque quem ama não contabiliza ações e reações do ser amado e faz da sua vida um gesto de doação.

Frei Betto é escritor, autor de “A mosca azul – reflexões sobre o poder” (Rocco), entre outros livros.

A mão invisível

Desde criança tenho, como todo mundo, meus medos. Já foram maiores: medo de ver meu pai bravo, de ser obrigado a comer jiló, de tirar zero na prova de matemática. Medo, sob a ditadura, de me ver abordado por uma viatura policial. Medo, sob a chuva capixaba, de que meu barraco na favela, erguido à beira de um precipício, fosse levado pelas águas.

Hoje, coleciono outros medos. Um deles, medo da mão invisível do Mercado. Aliás, do que é invisível só não temo Deus. Temo bactérias e extraterrestres. As primeiras, combato com antibióticos – termo inapropriado, pois significa “contra a vida” e, no entanto, os inoculamos para favorecê-la.

Quanto aos extraterrestres, fiquei menos temeroso ao saber que o mais longo alcance no espaço conseguido por nossa tecnologia é atingido pelas emissões televisivas. Com certeza, ao captá-las, os exploradores interplanetários chegaram à conclusão de que na Terra não há vida inteligente…

Volto à mão invisível do Mercado. Onde ele a enfia? De preferência, no nosso bolso. Em especial, no dos mais pobres. Ela é invisível porque safada, como todo delito praticado às escondidas. Por exemplo, o Mercado pratica extorsão no bolso dos mais pobres através dos impostos embutidos em produtos e serviços. Tudo poderia nos custar mais barato se não fosse essa mão-boba que se imiscui no que consumimos.

Agora que o Mercado entrou em crise – pois a bolha que inflou estourou na cara dele – onde anda enfiando a sua mão invisível? A resposta é visível: no bolso do governo. Nos EUA, o Mercado, nos estertores da administração Bush (de infeliz memória), meteu a mão em US$ 830 bilhões e, agora, arranca mais US$ 900 bilhões da recém empossada administração Obama. Tudo pra enfiar essa fortuna no bolso furado do sistema financeiro.

Aliás, a mão invisível do Mercado ignora o bolso dos cidadãos. Viciada, sempre beneficia o bolso dos ricos. É o caso do Brasil. Diante da crise (e das próximas eleições) o governo trata de anabolizar o PAC, de modo que a mão do Mercado possa abastecer, o quanto antes, o bolso das empreiteiras e das empresas privadas encarregadas das obras.

Minha avó advertia: “Veja lá, menino, onde põe esta mão!” E me obrigava a lavá-la antes de sentar à mesa. Acho que a mão do Mercado é invisível porque jamais se lava. Ao contrário, lava dinheiro sem se lavar da sujeira que a impregna. É o que deduzo ao ler a notícia de que, nos paraísos fiscais, a liquidez dos grandes bancos foi assegurada, nos últimos anos, graças aos depósitos do narcotráfico.

A mão pode ser invisível, mas suas impressões digitais não. Onde o Mercado bota a mão fica a marca. Sobretudo quando tira a mão, deixando ao relento milhares de desempregados, jogados na rua da inadimplência, enforcados em dívidas astronômicas.

O Mercado é como um deus. Você crê nele, põe fé nele, venera-o, faz sacrifícios para agradá-lo, sente-se culpado quando dá um passo em falso em relação a ele – ainda que a culpa seja dele, como no caso da compra de ações que ele lhe vendeu prometendo fortunas e, agora, elas valem uma ninharia.

Como um deus, só se pode conhecê-lo por seus efeitos: a Bolsa, o salário, a hipoteca, o crédito, a dívida etc. Ele se manifesta por meio de sua criação, sem no entanto se deixar ver ou localizar. Ninguém sabe exatamente a cara que tem e o lugar onde se esconde, embora seja onipresente. Até na vela vendida à porta da igreja ele se faz presente. E mete a mão, a famosa mão invisível, a temida mão invisível, essa mão mais execrável que a de tarados que ousam enfiá-la sob a saia da mulher de pé no ônibus.

Nem adiante gritar: “Tira essa mão daí!” Apesar de a mão invisível manipular descaradamente nossa qualidade de vida, privilegiando uns poucos e asfixiando a maioria, dela ninguém se livra. Como é invisível, não se pode amputá-la. Só resta uma saída: cortar a cabeça do Mercado. Mas isso é outra história. Hoje falei da mão. A cabeça fica pra outro dia.

Frei Betto é escritor, autor de “A arte de semear estrelas” (Rocco), entre outros livros.

50 años de la Revolución Cubana

Para celebrar los 50 años de la Revolución cubana, la Asociación Suiza-Cuba había invitado a François Houtart (FH), profesor emérito de sociología, fundador del Fórum de las Alternativas y de la revista Alternativas Sud y uno de los padres de la Teología de la liberación (TL). Hoy tenemos la oportunidad de entrevistar a Frei Betto (FB)1, escritor, portavoz de la Teología de la liberación y antiguo asesor del Presidente brasileño Lula, en torno a las mismas preguntas que le habíamos hecho a FH: ¿Cuales serán las alternativas después del capitalismo? y ¿Qué aprender de las experiencias alternativas de América latina (AL)?2 De ese modo, intentaremos simular una especie de diálogo entre estos dos grandes conocedores de las realidades sociales de los países del Sur.


Andrea Duffour: Frei Betto, ¿en qué oportunidades se entrevistó usted con François Houtart?

Frei Betto: Yo soy muy amigo de François Houtart desde muchos años y tenemos tareas comunes en América Latina. FH conoce profundamente AL, ha asesorado muchos movimientos sociales, eclesiales, incluso gobiernos, estuvimos juntos asesorando el gobierno cubano durante la visita de Juan Pablo segundo en 1998, y la última vez que estuve con el padre, ha sido en el Foro Social en Belem, tenemos las mismas perspectivas, los mismos anhelos, y los mismos compromisos.

François Houtart (FH), así como una parte de la población mundial, en la que me permito incluirlo, han analizado y comprendido las dimensiones destructoras de la propia lógica del sistema capitalista, basada en la explotación y en la conversión en mercancía de los seres humanos y de la naturaleza. Esas personas llegaron a la conclusión de que se debe deslegitimar el capitalismo y sustituirlo por alternativas. Propongo que en el tiempo que nos concede, nos regale usted la parte de denuncia de las aberraciones del sistema – pero que empecemos directamente con el punto en que muchos debates se detienen, con el postulado que no hay duda sobre la ilegitimidad del sistema actual. Así, no tentaremos de humanizar o de reformar el capitalismo sino de discutir alternativas. Adaptando una perspectiva pos-capitalista – no le pido que le de un nombre sino un contenido – he aquí mi primera pregunta: ¿Cuáles son las experiencias fuera de la lógica capitalista que más le han marcado y por qué?

Frei Betto: Conozco experiencias sistémicas como los movimientos populares del Brasil, comercios justos, cooperativas, y otras que están fuera de la lógica del mercado y de la propia lógica capitalista. De un punto de vista sistémico, conocí bien la experiencia de la Unión Soviética, donde estuve varias veces durante el sistema socialista. Hoy estoy convencido de que el sistema soviético jamás rompió con la lógica capitalista. Cuando me recordó que Lenin decía que lo más importante en esta revolución era electrificar la Unión Soviética, era una todavía una lógica productivista, consumista. La Unión Soviética ha logrado ser pionera en la conquista espacial, pero no logró adoptar condiciones efectivas de felicidad para su pueblo. La completa estatización de todos los sectores de la vida ha creado muchos problemas, incluso la corrupción, porque la gente buscaba formas informales de obtener ganancias. China, por ejemplo, que también ha intentado salir fuera de la lógica capitalista, es un país que prácticamente con su mano de obra barata sustenta las impresas transnacionales ayudando a expandir toda esta perspectiva consumista. Entonces yo diría que el sistema que más salió de la lógica capitalista es Cuba. Cuba efectivamente ha hecho una inversión en los derechos sociales y no tanto en la perspectiva productivista consumista.

FH nos recordó también que la Revolución cubana no sólo transformó las estructuras políticas, sino también la mentalidad de las personas. En su articulo, “Hambre de justicia”, usted recuerda que el hambre elimina cerca de 1000 personas por hora ¿Cómo explica usted que un país pobre como Cuba haya logrado no formar parte de esas tristes estadísticas y que desde medio siglo, no tiene ni un solo niño que muera de hambre o de una enfermedad curable?

Frei Betto: En Cuba, se ha garantizado a toda la población de 11 millones de habitantes los tres derechos humanos fundamentales que son, por la orden, la alimentación, la salud y la educación. En Cuba hay pobreza, pero no hay miseria y Cuba puede poner en el aeropuerto de la Habana un cartel que afirma: “Esta noche, 200 millones de niños van a dormir en la calle, ningún de ellos es cubano”.

Siempre me recuerdo uno de sus textos: “Cuba y el don de la vida”3 ¿Podría usted en primer lugar resumirnos sus ideas principales?

Frei Betto: El don mayor de Dios es la vida, no es el Vaticano, no es la Teología de la liberación, no es el Opus Dei, es el don de la vida (ver Juan 10:10). Otra vez, el único país de AL que ha garantizado la vida a toda su populación es Cuba; lamentablemente en los demás países una gran parte de la población está excluida de las posibilidades de una vida digna. Papa Juan Pablo Segundo en su visita a Cuba ha reconocido y elogiado públicamente las conquistas sociales de Cuba. Cuba todavía tiene que mejorar muchísimo, hay muchos problemas, porque Cuba es una isla multiplicado por cuatro, una isla natural, una isla por ser el único país socialista de la historia del Occidente, una isla por que el apoyo de la Unión Soviética desapareció, y una isla por el criminal bloqueo impuesto por el gobierno de los Estados Unidos. A pesar de toda esta situación difícil, Cuba mantiene con su soberanía y con condiciones dignas de vida para toda su población y quizás por eso se explique que en Cuba en los últimos 50 años nunca hubo una rebelión popular que la policía tuvo que reprimir. Repetidamente unos dicen: “¿Pero porque hay gente que salen de Cuba?” Claro, porque para vivir en el socialismo es como vivir en un monasterio: Tu tienes que ser altruista, pensar en la comunidad primero y no en si mismo, y todos nosotros nacemos capitalistas, nacemos egoístas, entonces hay gente también en Cuba que quieren salir, para tratar de enriquecerse, de los monasterios también salen muchos monjes que non suporten la vida comunitaria de compartir todos los bienes.

En este texto, también había la idea de la cabeza y de los pies…

Frei Betto: Si, porque uno – la cabeza- piensa como los pies pisan. Nosotros que vivimos en las naciones de consumismo tenemos una cabeza capitalista y la gente en Cuba que vive en una situación del repartición de los bienes tiene una cabeza socialista, pero siempre hay excepciones, porque no somos un reflejo automático de las condiciones sociales en que vivimos, incluso, porque podemos cambiar estas condiciones sociales, lo que explica que hay gente que no soportan el espíritu, las estructuras comunitarias que predominan en un país como Cuba.

En relación con la Teología de la liberación (TL): Su compatriota Don Helder Camara decía: “Cuando doy de comer a los pobres, dicen que soy un santo, cuando denuncio las causas de la pobreza, dicen que soy un comunista”. ¿Cual sería el aporte de la TL a un proyecto pos-capitalista? ¿Puede la TL ser apolítica?

Frei Betto: Toda teología tiene un contenido político, también todos nosotros consciente o inconscientemente, hacemos política, o por legitimación de la desorden establecida en el sistema capitalista, la desigualad, o por la contestación a esta desorden justamente con una visión pos-capitalista de búsqueda de un otro mundo posible, como afirma el Foro Social Mundial. La TL es una teología que parte de esta situación de opresión en AL, África y Asia, y el anhelo principal de la gente es lograr la liberación, una vida digna, o sea, salir de la miseria a que está condenada. El aporte de la TL a un proyecto pos-capitalista empieza por el hecho de incrementar en la gente una visión critica al capitalismo, un sistema que tiene como valor absoluto la propiedad privada, o sea, para los pocos propietarios que viven a los costos de la mayoría de gente que no tiene ningún derecho a ser propietario, ni siquiera de su mano de obra, de su dignidad personal, de su sobrevivencia biológica, sin ningún espacio para desenvolver sus dones espirituales, intelectuales, artísticos, gente que está virtualmente esclavizada por el sistema que vive de la explotación del trabajo de los demás. Entonces la TL no tiene propiamente una propuesta socialista, tiene una propuesta de superación de la opresión humana y muchas veces también una visión critica del propio socialismo en la medida en que la teología trabaja con el paradigma del reino de Dios, que no es algo que está por arriba, sino algo que está por delante. En el sentido que tenemos que perfeccionar cada vez más las relaciones humanas aquí abajo, los sistemas políticos, económicos y sociales hasta llegar a la completa erradicación de la alienación en la historia humana, lo que, de un punto de vista teológico, la llamamos la erradicación del pecado, en el sentido de crear una civilización de “amorización” completa, y eso requiere tiempo y pasa por muchos procesos sociales en el futuro.

Usted habla de “amorización”. Si concentramos ahora nuestra conversación en estos factores externos del sistema actual, en los valores como la ética, la noción de calidad de vida, el vivir bien y no vivir mejor, las relaciones no comerciales, la solidaridad internacional, la justicia, y justamente el amor ¿Cómo podemos desarrollar el sistema de valores en nuestras sociedades?

Frei Betto: Esto se puede hacer a través de dos factores: Hay que encontrar espacios alternativos de educación, para que desde la niñez se pueda infundir en la gente concepciones comunitarias, amorosas de una civilización globalizada del punto de vista de la globalización de la solidaridad, porque lo que tenemos hoy no es globalización, es “globo-colonización”, es la imposición al planeta de un modelo de sociedad que es el modelo anglosajón, productivista-consumista de exclusión social. El segundo factor son las organizaciones y movimientos populares: ahí se puede también desarrollar estos nuevos valores, esta nueva mentalidad: nadie es capaz de por si mismo llegar a estas nuevas concepciones. Esto es un proceso social, tiene que tener vínculos colectivos para desarrollar estos valores amorosos y desde ahí encontrar una ética de solidaridad.

Usted dijo que la TL tiene una visión crítica del propio socialismo. Aun yo pregunto ¿En qué condiciones se podría llamar “socialista” a ese proceso?

Frei Betto: Se puede pensar en el socialismo como un sistema de abundancia material para todos como lo hicieron en el socialismo del este europeo. Hoy se reconoce como un equívoco. Pero tenemos que pensar el socialismo como una abundancia espiritual, o sea, mismo que hay dificultades, la gente va comprender que hay dificultades para todos, que son producidas por el hecho del socialismo de coexistir con un mundo de competición, de egoísmo, de explotación, es decir, un mundo capitalista. Y desde ahí, encuentras formas superando estas ideas hasta que descubres que en el socialismo, así como afirma le palabra, los derechos sociales están por encima de los derechos personales, pero en que las potencialidades personales pueden desarrollar también, sin poner una contradicción entre uno y otro, es mucho más humanizador, mucho más amoroso, sobre todo capaz de atender a este anhelo fundamental de todo nosotros que es conquistar la felicidad. Nosotros tenemos que caminar en otra dirección y, quizás prestar atención, porque AL de todos los cinco continentes, es el que ha tenido estadísticamente menos violencia, menos guerra, y porque de los cinco continentes en AL hoy hay mucho más esperanza en el futuro que en los demás? Aquí la gente mira al pasado, se agarra fuertemente a este presente consumista con miedo de perder su riqueza, pero en América Latina, hay pueblos que han logrado un rechazo del modelo liberal, ya no creen en los mesiánicos neoliberales como Meném en Argentina, Fujimori en Perú, Collor de Melo en Brasil, Caldera en Venezuela, ahora escogen gente del pueblo para gobernar, y eso representa un cambio muy significativo y muy positivo: Por primera vez en la historia aquí en AL, se puede hacer una revolución sin armas, pero por vía democrática.

Como usted dijo, en AL se está llevando a cabo un proceso de maduración. Puede desarrollar un poco más esta evolución?

Frei Betto: En los últimos 50 anos, AL a conocido tres ciclos de modelos políticos: primero las dictaduras militares, bien rechazadas (pero que ahora amenazan de reaparecer con el golpe militar antidemocrático en Honduras y con la actitud ambigua de EEUU y de EU ¡y del cardenal de Honduras !), segundo, los mesiánicos neoliberales, defensores convencidos de la privatización del patrimonio público, absolutamente de rodilla delante de la Casa Blanca y del consenso del Washington y de todas las recetas del Fundo Monetario, también rechazados, y ahora, gobiernos democráticos populares, unos más progresistas como Hugo Chávez en Venezuela, Evo Morales en Bolivia, Rafael Correa en Ecuador, otros menos progresistas como Lula en Brasil, la pareja Kirchner en Argentina, Fernando Lugo en Paraguay. Hay un avance de priorizar reformas estructurales por vía democrática. Todavía eso no se puede llamar el socialismo, pero es una conciencia crítica de establecer vínculos en América Latina, como el Banco del Sur, Alba y no Alca, etc., para buscar otro modelo que el capitalista tradicional. Gente que quieren gobernar por los pobres. Como el mundo es controlado por los ricos, estos jefes de estado son deshonrados por los medios. Posiblemente es nuestra primera oportunidad histórica de estos cambios estructurales por la vía pacifica. Estos pueblos por la vía pacifica y democrática y electoral dentro de un juego electoral muy corrompido por el poder económico, desde 1999 eligen jefes de extracción popular. Gente que quieren gobernar a favor de los pobres. Yo prefería llamar ese proceso de primavera democrática.

¿Y Cuba?

Frei Betto: En Cuba, es una democracia participativa, es un pueblo que no solo comparte sus derechos políticos, sino también sus derechos económicos. Cuba no tiene millonarios, no tiene inseguridad social, no tiene miseria, el pueble participa altamente en las decisiones del gobierno, y escogió por su sistema socialista con un solo partido pero que defiende los intereses de una mayoría. Eso es su escolta soberana. Por eso, Cuba esta diabolizada en las medias internacionales. Cuba debe perfeccionar su proceso político pero eso depende de que termine este bloqueo criminal de EEUU.

¿Que dice usted à las personas que dicen que en Cuba no hay libertad?

Frei Betto: Yo digo siempre a esta gente: ¿Y sus empleados, que libertad tienen ellos? En Cuba la gente tiene libertad, no en el sentido capitalista, con una pequeña minoría que tiene libertad de todo y la mayoría que no tiene la libertad de vivir en condiciones dignas, ni de poner sus hijos en la escuela, de tener un buen tratamiento de salud o de moverse por el mundo. En Cuba no hay turismo individual, pero si un grupo cultural necesita viajar, el propio Estado financia el viaje. Todo tiene que tener un sentido social. Eso esta correcto. En mi país, solo una pequeña minoría tiene la posibilidad de viajar, la mayoría sigue sin poder moverse, incluso en el interno.

Ahora le lanzo un verdadero SOS, una petición de ayuda para Europa, que se ha vuelto tan pobre en valores que sólo le queda el dinero. Aunque tengamos aquí “una izquierda” intelectual (auto proclamada), siempre dispuesta a analizar, a dar consejos o a criticar las experiencias que otros han intentado llevar a cabo, ella está muy lejos de extraer lecciones para actuar mejor aquí. Con un poco más de humildad ¿Qué podríamos aprender de esas diferentes experiencias de los pueblos del Sur, pienso también en la experiencia bolivariana, y sus experiencias concretas en política de integración de los pueblos y sobre todo en términos de reparación de nuestros valores?

Frei Betto: Bueno, yo creo que Europa ha logrado llegar al tope, a la cumbre de su enriquecimiento.

¿…y de su arrogancia también?

Frei Betto: ¿Arrogancia? Si, un poco también. Pero yo diría la generación que hoy tiene 60-70 anos, una generación que ha conocido las dificultades de la guerra pero que en las últimas décadas ha llegado a su tope de enriquecimiento, seguramente explotando al resto del mundo, a los países de Asia, África o América latina. Por ejemplo de un país como Suecia con un altísimo nivel de vida se puede preguntar ¿Cuantas empresas suecas hay en Brasil? Hay más de cien. ¿Pero cuantas empresas de Brasil hay en Suecia? Que yo sepa, ninguna. Entonces esta relación demuestra que la riqueza de Europa viene del Sur, del Sudeste del mundo, y la gente tiene que poner en conciencia, quizás, esta crisis económica de hoy sea muy pedagógica en el sentido que la gente de Europa tienen que ser un poco mas humilde como tu has dicho, y repensar su modelo de sociedad. Los europeos tienen la ingenuidad de pensar que con policía, con barreras, con leyes, con represión pueden impedir la migración económica. No van a contener. Hay que ayudar a estés países de África, de AL, da Asia de desarrollar también condiciones dignas de vida.

¡…y hay que robar menos!

Frei Betto: Si. Y así, se puede contener el flujo migratorio, y la gente se quedan en sus países con sus familias, ninguno quiere salir de su tierra, pero el problema es como he dicho antes: no tenemos un modelo de globalización, pero de globo-colonización, un modelo que impone al planeta los paradigmas predominantes de Europa, EEUU y Canadá: paradigmas consumistas, de exclusión social, de prejuicios raciales, creando y utilizando fobias.

Ahora: “¿Que hacer? “como lo plantea Lenin hace mas de 100 anos. En su conferencia, FH nos trazó a grandes rasgos algunas proposiciones de alternativas: utilización de recursos naturales con control colectivo, valorización del valor de uso sobre el valor de intercambio, una democracia participativa generalizada y la importancia de la multiculturalidad. Teniendo en cuenta su experiencia personal ¿Qué añadiría usted en relación con esas proposiciones y cómo lograr ir más allá de las simples reformas?

Frei Betto: FH planteo muy bien estos criterios, estoy plenamente de acuerdo con él. Justamente tenemos que priorizar esta agenda de sostenibilidad y de cambio de sociedad. Pasar del modelo productivista consumista para un modelo de solidaridad, de socialización de los bienes materiales, simbólicos y espirituales y creo que estos puntos que FH pone son importantísimos porque tenemos aquí en Brasil una democracia delegativa, representativa, estamos muy lejos de una democracia participativa como en Cuba. En la lógica del sistema capitalista, para que existe una democracia burguesa es necesario que una gran parte del pueblo esté excluida, como en el modelo griego: había 400 000 ciudadanos, 20.000 libres, el resto eran esclavos. Es esto el modelo que predomina en nuestros países! !No hay ninguna democracia económica, solo una democracia política! También el tema de ecología va ser un tema importante, porque toca a toda la gente.

Ahora desearía abordar algunas cuestiones prácticas, especialmente la cuestión del poder: ¿En qué medida hay que tomar el poder para transformar la sociedad?

Frei Betto: Hay que tener poder. Para legar al poder, hay dos vías: Hay la vía leninista, que primero hay que tomar el poder para después incrementarlo, esta vía es muy difícil porque hoy día, en AL la vía armada interesa solo a dos sectores, los fabricantes de armas y la extrema derecha. Es claro que si un pueblo es reprimido por las armas, según el principio de San Tomas de Aquino, tiene el derecho de defenderse por las armas. Hoy, en AL, tenemos una oportunidad histórica y quizás única: La oportunidad de tomar el poder por la vía pacifica y democrática. A través de la organización de los movimientos populares y sociales, para mi es la vía mas acertada y mas viable en este momento histórico que estamos viviendo.

En su obra, « Deslegitimar el capitalismo », FH expresa que algunos movimientos sociales constituyen un contrapeso al poder político exclusivo, pero teme que tengan dificultades para articular sus intereses fuera de su propia temática para llegar a una problemática más general con el riesgo de despolitizar así a las masas. ¿Cuál es su análisis, especialmente en relación con Brasil donde los movimientos sociales contribuyeron a formar un partido de izquierda? ¿Como no perder la perspectiva de la gran utopía de salir de la propia lógica del sistema actual?

Frei Betto: Este problema existe justamente en Brasil: Los movimientos sociales lograron a formar un partido de izquierda, de trabajadores, con Lula, un metalúrgico. Ocurre que Lula tenía dos piernas para hacer un buen gobierno: la pierna del apoyo del parlamento y la pierna del apoyo de los movimientos sociales. Lula descartó la segunda que tendría que ser su prioridad. Hay también ese otro problema que tenemos que pensar: ¿Como los movimientos populares tienen que construir un proceso que impida la cooptación de sus líderes por el sistema? No quiero decir que Lula está cooptado por el sistema, el gobierno de Lula tiene muchos puntos positivos, pero tiene de negativo el de establecer una política de alianza muy amplia para mantenerse al poder, ha dejado un poco al margen el proyecto del Brasil. Lula se distanció de los movimientos populares, sobretodo del Movimiento Sin Tierra que hace la más importante reivindicación que es la reforma agraria. Con la Argentina, somos los dos países que nunca han tenido una reforma agraria. Entonces, hay que repensar como establecer la relación entre partidos, movimientos sindicales, sociales y pastorales, una relación de autonomía y al mismo tiempo de complementariedad sin que uno tenga la tentación de absorber o de destruir el otro.

¿Cómo lograr que todas esas transformaciones de buena voluntad no sean absorbidas por el propio sistema, como evitar la individualización y esta cooptación?

Frei Betto: No es fácil: hay que caminar en estas dos piernas: la formación permanente de los militantes, y la inserción permanente en las luchas populares.

Según FH, el llamado a la colaboración de las clases es la primera ilusión de las doctrinas sociales religiosas. ¿Ve usted también ese peligro de intentar colaborar entre clases?

Frei Betto: Yo creo que no hay colaboración entre clases. Hay una sensibilidad entre sectores con temas en la búsqueda de otro mundo posible y existe una colaboración entre personas de distintas clases. Hay un proyecto social que visa erradicar la contradicción de clases, pero en esto momento no se puede pensar esto términos de colaboración de clases — por la lógica, la clase más fuerte siempre va cooptar la clase más débil. Hay una lucha de clase. Es obvio, es un hecho objetivo.

En Europa, la socialdemocracia que se llama socialista pretende que no existe más la lucha de clase…

Frei Betto: Es una ingeniad, porque justamente la socialdemocracia en Europa trata de apoyar empresas europeas que explotan terriblemente los países del Sur, la gente puede aparentemente pensar que hay una solidaridad interclasista, pero la pregunta es otra: ¿En que medida esta solidaridad se pasa también con los pueblos del Sur?

¿Entonces, en Europa estamos usurpando de la palabra socialista?

Frei Betto: ¡Claro! ¡No hay nada de socialista, incluso, no hay nada de social! Los gobiernos socialdemócratas de Europa, si miras las relaciones que tienen con sus empresas que operen en los países del Sur, es una operación típicamente capitalista, sin ninguna preocupación social o de preservación ambiental.

Algunos amigos en Cuba me dicen que ellos tienen un solo partido pero que defiende los intereses de una mayoría de la gente y que en Europa tenemos partidos con varios nombres pero que representan un solo partido, el partido del Capital…

Frei Betto: Si, exactamente. Mismo que hay varios partidos con varias nombres, hay un solo modelo, el modelo capitalista neoliberal.

¿Frei Betto, podría usted expresarnos sus conclusiones?

Frei Betto: Estamos delante de una crisis mundial del sistema capitalista y es un momento de aprovechar para efectivamente pensar alternativas al sistema – no quiero con esto afirmar que se va llevar al fracaso del capitalismo en los próximos anos – pero efectivamente hay un punto muy preocupante: Los países del G20 han propuesto dar 15 mil millones de dólares para erradicar el hambre en el mundo, estos mismos países en los últimos meses han dado una cuantidad mil veces mayor para salvar el sistema financiero. Hay una cuestión de ética a debatir: Tenemos que decidir si queremos salvar el sistema capitalista o si queremos salvar la humanidad.


Frei Betto terminó la entrevista, así como su conferencia pública, con un mensaje de solidaridad para la liberación de los cinco cubanos, que están aprisionados hace 11 anos en las cárceles de EEUU por haber luchado contra el terrorismo. Dice que bastaría una firma del presidente Obama para volverles a su pueblo y a sus familiares.4

Andrea Duffour, Asociación Suiza-Cuba, Friburgo, 16 de septiembre 2009

Referencias:

(1) Carlos Alberto Libânio Christo, mas conocido como FREI BETTO, nacido en 1944, es un militante de la lucha contra la dictadura en Brasil. Celebro por su defensa de la justicia social, es un pensador influyente de de América latina. Es autor de unos cincuenta libros, y un de los principales porta-voz de la Teología de la liberación en Brasil. Designado por Lula, después de su elección a la presidencia en 2001, para pilotar el programa « Hambre cero », dio la dimisión dos años más tarde con una posición relativamente critica en frente a Lula, aun subrayando siempre que mejoro la situación; Impresionado por los conquistas de la Revolución cubana, siempre comparándola a la situación de los demás países del Sur, amigo de Fidel Castro (Cf. también su entrevista con Fidel Castro: Fidel y la religión. Entretiens sur la religion avec Frei Betto traducido en varias idiomas.
(2) François HOUTART: « Délégitimer le capitalisme, Reconstruire l’espérance », Préface de Samir Amin, ediciones colophon, 2005. Voire aussi le résumé de son séminaire et de sa conférence à Fribourg sur.
(3) “Cuba y el don de la vida”, Texto corto, recuperado con la ayuda del autor, en fin disponible en varias lenguas en nuestro sitio: www.cuba-si.ch.
(4) Ve: www.freethefive.org; www.antiterroristas.cu; www.miami5.de; www.cuba-si.ch.