Frei Betto completa 60 livros publicados

Chegam às livrarias esta semana dois livros meus: “Paraíso perdido – viagens ao mundo socialista” (Rocco) e “Um Deus muito humano – um novo olhar sobre Jesus” (Fontanar).

Já são 60 livros publicados, sem contar os assinados em coautoria. Segundo o jornalista Ricardo Kotscho, meu amigo de longa data, não sou eu quem escrevo, são os 60 fradinhos que, recolhidos às catacumbas do convento e alimentados de pão e vinho, redigem os textos que assino…

trinta e três anos de
viagens a países socialistas

A frase é atribuída a vários gênios, como Einstein e Thomas Edison, mas sem dúvida o ofício de escritor, como o do cientista, exige 10% de inspiração e 90% de transpiração. Há que ter disciplina. No meu caso de escritor compulsivo, reservo 120 dias do ano exclusivamente à literatura. Isolo-me, desligo o celular e mergulho na produção de meus textos.

“Paraíso perdido”, reedição ampliada e cujo texto foi todo reescrito, narra 33 anos (1979-2012) de viagens a países socialistas. Nenhuma delas como turista. Todas a trabalho – conferências, eventos e, sobretudo, reaproximação entre religiões e Estado comunista. Com a anuência tanto de religiosos quanto de políticos locais.

Comecei pela Nicarágua sandinista, em 1969. E até 1989 passei por Cuba, Rússia, Letônia, Lituânia, China, Tchecoslováquia, Polônia e República Democrática da Alemanha. Após a queda do muro de Berlim, restrinjo-me a Cuba, que continuo a visitar e acompanhar o processo de reatamento de relações com os EUA.

O livro é uma reflexão sobre a utopia que mobilizou o melhor de minha geração: alcançar um mundo sem desigualdades sociais, onde todos tivessem assegurada vida digna.

Isolo-me, desligo o celular e mergulho na produção de meus textos

textos sobre a emblemática figura de Jesus

A partir de fatos, descrevo conquistas e contradições do socialismo; longas conversas com Fidel, Raúl Castro e Lech Walesa; desafios e preconceitos à fé cristã; e encontros, naqueles países, com familiares de Che Guevara, Gabriel García Márquez, Ernesto Cardenal, Armando Hart, Roberto Fernández Retamar, Marcello Mastroianni, Chico Buarque, Hélio Pellegrino, Fernando Morais, Leonardo Boff, Dom Pedro Casaldáliga e outros.

“Um Deus muito humano” reúne textos sobre a emblemática figura de Jesus. São pequenos ensaios, acessíveis ao leigo, que tratam das diferentes ópticas sobre Jesus e seu contexto histórico, político e moral, com vistas a proporcionar ao leitor melhor compreensão sobre o homem de Nazaré e as razões que levaram dois poderes políticos a condená-lo à morte na cruz. Enfatizo o sentido de sua mensagem para os dias de hoje.

As duas obras têm lançamentos agendados em noites de autógrafos no Rio (3 de agosto, Esch Café Leblon, rua Dias Ferreira 78), em Belo Horizonte (4 de agosto, Projeto Sempre um Papo, Museu das Minas e do Metal, Praça da Liberdade) e em São Paulo (10 de agosto, Esch Café, Alameda Lorena 1899).

Para o Portal Top Vitrine

Tenho medo de trair a esperança dos mais pobres

“Inicio pelo que não sou (e muitos julgam o contrário): padre e filiado a partido político”, diz Frei Betto no primeiro parágrafo de “O que a vida me ensinou”, um dos seus 60 livros publicados. Sempre sereno, olhar suave, aonde chega, todos querem ouvi-lo, perguntar, observar e, de certo tempo pra cá, fazer fotos, sejam eles intelectuais ou nem tanto, como aconteceu recentemente na Flip, em Paraty.

Embora a maioria pense o contrário, Carlos Alberto Libanio Christo (nome de Frei Betto) nunca foi filiado ao PT, embora tenha sido o coordenador de mobilização social do Programa Fome Zero, do primeiro governo Lula. O mineiro escreveu, aliás, dois livros sobre o ex-presidente, mas se afastou do governo, decepcionado com os rumos políticos do Partido dos Trabalhadores. Essa liberdade de pensamento e ação sempre foi valiosa para Frei Betto, que jamais quis trabalhar para a iniciativa privada e sempre teve uma inquietação intelectual muito grande.

Estudou Jornalismo, Antropologia, Filosofia e Teologia e foi, também, assistente de direção de José Celso Martinez Corrêa no Teatro Oficina, na primeira montagem de “O rei da vela”, e crítico de teatro do jornal “Folha da Tarde” (1967/1968). Tanta independência acabou gerando sua prisão sob o regime militar: adepto da Teologia da Libertação e militante de movimentos pastorais e sociais, cumpriu quatro anos de prisão na ditadura.

Ganhador de dois prêmios Jabuti de Literatura, também não faltam a frei Betto prêmios por sua luta em defesa da ecologia e dos direitos humanos. Além de livros infantis, Frei Betto escreveu até sobre gastronomia, uma das suas paixões, não fosse filho de Maria Stella Libanio Christo, autora do clássico “Fogão de Lenha – 300 anos de cozinha mineira”. Bom de garfo, o título do livro de frei Betto já diz tudo: “Comer como um frade – divinas receitas para quem sabe por que tem um céu na boca”. Leia sua entrevista:

UMA LOUCURA: “Ter aceitado o convite de José Celso Martinez Corrêa, do Teatro Oficina, para ser seu assistente de direção na primeira montagem de “O rei da vela”, de Oswald de Andrade, em 1967. A peça inspirou o movimento tropicalista e marcou a história do teatro brasileiro. Fiquei tentado a me tornar diretor de teatro.”

UMA ROUBADA: “Não ter me evadido do carro que me conduzia de Viamão a Porto Alegre, sob o pretexto de me esconder da repressão da ditadura militar, em novembro de 1969. Chovia muito e, por isso, não escapei, mesmo intuindo que o rapaz que dirigia o veículo me levava a uma cilada, o que se confirmou na manhã seguinte, quando fui preso. Os detalhes estão em meu livro “Batismo de sangue” (Rocco), cujo filme de mesmo título foi dirigido por Helvécio Ratton.”

UMA IDEIA FIXA: “Preferir correr o risco de me equivocar ao lado dos pobres a pretender acertar ao lado dos ricos. Por isso, toda a minha trajetória política e pastoral é ao lado dos movimentos sociais. Não acredito que aqueles que tiram proveito dessa sociedade tão desigual tenham interesse em mudá-la. A mudança sempre vem de baixo, daqueles que, de alguma forma, são vítimas das estruturas sociais injustas.”

UM PORRE: “Ulisses”, de Jaime Joyce. Tentei três vezes. Me parece mais ensaio literário do que romance. Gosto muito de seus outros livros, como “Retrato do artista quando jovem” e “Dublinenses”.

UMA FRUSTRAÇÃO: “O Programa Fome Zero ter sido enterrado pelo mesmo governo que o gerou. Ele tinha caráter emancipatório. Já o Bolsa Família tem caráter compensatório. O Bolsa Família é bom, mas o Fome Zero era ótimo, pois implicava mudanças nas estruturas sociais brasileiras e seu cadastro não era controlado pelos prefeitos, como ocorre hoje no Bolsa Família, e sim por Comitês Gestores eleitos em cada município pelos movimentos sociais.”

UM APAGÃO: “Ao ser interrogado pelos policiais da ditadura. Fiquei tão nervoso que deu um branco em minha memória, felizmente.”

UMA SÍNDROME: “Compulsão literária. Já publiquei 60 livros (vide www.freibetto.org) e não consigo passar mais de 24 horas sem escrever algo.”

UM MEDO: “Medo de trair a esperança dos mais pobres na busca de um outro mundo possível, de justiça e paz.”

UM DEFEITO: “Meu defeito é ser muito desorganizado no varejo, embora organizado no atacado. O quarto em que moro no convento é uma atração turística, tamanha a balbúrdia. Mas me acho lá dentro.”

UM DESPRAZER: “Desprazer é aparecer na TV ou me deixar filmar. Sofro de focofobia…”

UM INSUCESSO: “Não dedicar mais tempo à meditação. O que mais gosto na vida é orar e escrever.”

UM IMPULSO: “Tratar a cozinheira e a patroa, o garçom e o anfitrião do mesmo modo, com a mesma atenção e respeito.”

UMA PARANOIA: “Isolar-me 120 dias do ano só para escrever, quando me sinto criativo e me dedico melhor à oração, à leitura e à ginástica.”

Julho 2015 – Paraty – Flip

PT arremedo do PMDB – entrevista Estadão março/2015

Ícone do PT, Frei Betto diz que a única saída para o partido que governa o País há 12 anos é voltar às origens e buscar a governabilidade com os movimentos sociais.

Um mês depois de ser reeleita, a presidente Dilma Rousseff recebeu Frei Betto e o Grupo Emaús, da Teologia da Libertação, no Palácio do Planalto. Durante uma hora e vinte minutos, também na presença do chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, ouviu uma série de críticas e sugestões para que o governo continuasse “implementando o projeto que tanto beneficia a sociedade brasileira, principalmente os mais vulneráveis”.

A conversa, de acordo com ele, foi ótima. “Só que, de repente, vem o Joaquim Levy com um ajuste fiscal penalizando, sobretudo, os mais pobres. Quem assistiu ao filme Adeus, Lenin! pode fazer o seguinte paralelo: se um cidadão brasileiro, disposto a votar na reeleição da Dilma, tivesse entrado em agonia no início de agosto de 2014 e despertasse agora, neste mês de março, no hospital e visse o noticiário, certamente estaria convencido de que o Aécio havia vencido a eleição”.

Frei Betto – que, com as comunidades eclesiais de base, ajudou a fundar o PT e, como assessor especial do ex-presidente Lula, coordenou o programa Fome Zero – diz que o que falta ao governo, desde 2003, é “planejamento estratégico”. Segundo ele, que é amigo do ex-presidente Lula há mais de 30 anos e conhece a presidente Dilma desde a infância – “somos da mesma rua em Belo Horizonte” –, em doze anos de governo, o PT não conseguiu tirar do papel nenhuma reforma de estrutura prometida em seus documentos originais e, ao chegar ao governo, “trocou um projeto de Brasil por um projeto de poder, escanteou os movimentos sociais” e ficou “refém desse Congresso, dependendo de alianças espúrias”.

“Agora, seu grande aliado, o PMDB, se rebela e cria – com o perdão da expressão – uma cunha renana para asfixiar o Poder Executivo”.

Qual a saída? “O PT ser fiel às suas origens. Buscar a governabilidade pelo estreitamento de seus vínculos com os movimentos sociais. Fora disso, tenho a impressão de que estamos começando a assistir ao começo do fim. Pode até perdurar, mas o PT tende a virar um arremedo do PMDB”, sentencia ele, que é autor de 60 livros, entre eles A Mosca Azul (“uma reflexão sobre a história do poder e a história do PT no poder”) e Calendário do Poder (“um diário do Planalto”), ambos editados pela Rocco.

A seguir, os principais trechos da conversa com Frei Betto, que recebeu a coluna no Convento Santo Alberto Magno, no bairro de Perdizes, onde mora.

Como o senhor avalia o atual momento do País?

O Brasil está vivendo um momento de crise política e econômica. Prevejo quatro anos de governo Dilma com muita turbulência, manifestações, greves, impasses. E me pergunto se, em 2018, o PMDB apoiará o candidato do PT. Como bom mineiro, desconfio que não e não me surpreenderei se o PMDB lançar um candidato próprio, com apoio do PSB e outros pequenos partidos. A questão é que tivemos 12 anos de governo do PT que, na minha avaliação, apesar de todos os pesares – e põe pesares nisso –, foram os melhores da nossa história republicana, sobretudo no quesito social. Efetivamente, 36 milhões de pessoas deixaram a miséria. Hoje, os aeroportos deixaram de ser um espaço elitista. Se vamos em um barraco de favela, lá dentro tem TV a cores, micro-ondas, máquina de lavar, fogão, geladeira, telefones celulares, talvez um computador e, possivelmente, no pé do morro, um carrinho que está sendo comprado em 60, 90 prestações mensais. Porém, essa família continua no barraco, sem saneamento, em um emprego precário, sem acesso a saúde, educação, transporte público e segurança de qualidade. O governo facilitou o acesso dos brasileiros aos bens pessoais, mas não aos bens sociais.

O que faltou?

Não tivemos, em doze anos, nenhuma reforma de estrutura, nenhuma daquelas prometidas nos documentos originais do PT. Nem a agrária, nem a tributária, nem a política. E aí poderíamos acrescentar nem a da educação, nem a urbana. Em suma, o que falta ao governo – e desde 2003 – é planejamento estratégico.

Como assim?

Governa-se na base dos efeitos pontuais, da administração de crises ocasionais, porque o PT trocou um projeto de Brasil por um projeto de poder. Permanecer no poder se tornou mais importante do que fazer o Brasil deslanchar para uma nação justa, livre, soberana e igualitária. Como é que um governo que pretende desenvolver a nação brasileira cria um ministério que eu qualifico de coral desafinado? O que tem a ver Joaquim Levy com Miguel Rossetto? Kátia Abreu com Patrus Ananias? José Eduardo Cardozo com George Hilton?

Em artigo publicado pouco antes das eleições, o senhor listou 13 razões para votar na Dilma. Agora, escreveu novo artigo, A Farra Acabou, com críticas ao governo. O que mudou?

O que mudou é que, infelizmente, aquelas 13 razões não foram abraçadas no segundo mandato de Dilma. A presidente montou um ministério esdrúxulo, que não conseguiu nem sequer ter um projeto de Brasil minimamente emancipatório, como era o Fome Zero. Aliás, o próprio governo que o criou o matou, substituindo-o por um programa compensatório chamado Bolsa Família – que é bom, mas não tem caráter emancipatório. Todo o governo opera agora em função de um detalhe, não de um projeto histórico, que é o ajuste fiscal. E penalizando os mais pobres, não o capital. Todas as bases desse ajuste estão em cima da redução do seguro-desemprego, do abono salarial, do imposto sobre o consumo. E nada em termos das grandes heranças, dos royalties que saem do País, das grandes transferências de dinheiro, dos brasileiros que têm dinheiro nos paraísos fiscais. A conta vai ser paga por aqueles que já lutam com dificuldade.

O senhor quer dizer que estamos em um caminho sem volta?

O grave do governo do PT – tendo sido construído e consolidado pelos movimentos sociais – foi, ao chegar ao Planalto, ter preferido assegurar sua governabilidade com o mercado e com o Congresso e escantear os movimentos sociais. Hoje, eles são tolerados ou, como no caso da UNE e da CUT, manipulados, invertendo o seu papel. Com isso, o PT ficou refém desse Congresso, dependendo de alianças espúrias. Agora, o seu grande aliado, o PMDB, se rebela, cria – com o perdão da expressão – uma cunha renana para asfixiar o Executivo. Se alguém me pergunta “qual é a saída”? É o PT ser fiel às suas origens. Buscar a governabilidade pelo estreitamento de seus vínculos com os movimentos sociais. Ou seja, o segmento organizado, consciente e politizado da nação brasileira. Fora disso, tenho a impressão de que estamos começando a assistir ao começo do fim. Pode até perdurar, mas o PT tende a virar um arremedo do PMDB. Creio que cabe hoje, ao governo, fazer uma autocrítica séria.

Por meio dos movimentos sociais é que seria possível recuperar a imagem do partido?

Exatamente. O PT precisa sair da posição de bicho acuado em que se colocou. O partido, até hoje, não declarou se os envolvidos no mensalão são inocentes ou culpados; o partido, até hoje, não declarou se ele, que governa o Brasil e, portanto, a Petrobrás, tem ou não responsabilidade na devassa que está sendo feita na maior empresa brasileira. O partido se afastou das bases sociais. Onde estão os núcleos populares que, nos anos 80, encantavam todas as pessoas que chegavam na zona leste de São Paulo, em uma favela, e a dona Maria, orgulhosamente, mostrava um barracão que era a sede do núcleo do PT? Onde está o trabalho de base, de formação política? Embora não tenha sido militante do PT, mas como ajudei a construir o partido por meio do trabalho pastoral, hoje me pergunto: onde estão os líderes do PT que, aos fins de semana, voltam para as favelas e periferias? Onde estão os líderes do PT que não tiveram um assombroso aumento de seu patrimônio familiar durante esses anos, a ponto de não se sentirem mais à vontade em uma assembleia de sem-teto, em uma aldeia indígena, em um fim de semana em um quilombola? Onde estão eles? Existem. São raros. Não vou citar nomes, mas tenho profundo respeito por militantes e dirigentes do PT que são muito coerentes com aquele PT originário. Mas, infelizmente, eles são exceção.

Como disse recentemente a senadora Marta Suplicy, “ou o PT muda ou acaba”.

É como já disse, o PT tem de mudar no sentido de voltar às suas origens e às suas bases sociais. Acabar não vai, porque tem tantos oportunistas que ingressaram no PT como rampa de acesso às benesses do poder, que o partido tende, inclusive, a inchar de gente que não tem nada a ver com as suas origens. Dou um exemplo: curiosamente, coincidindo com o dia em que a presidente entrega à nação um pacote anticorrupção, no estado do Rio um prefeito é flagrado na corrupção. O que esse cidadão tem a ver com a história de um partido que, ao nascer, se afirmou por três capitais: ser o partido ético na política brasileira, ser o partido dos pobres e ser o partido que, a longo prazo, construiria uma alternativa ao País, com uma sociedade socialista? O PT abandonou os três capitais. Esse pessoal que não tem a ver com o PT viu que, sendo do partido, o maná cai do céu. Fico me perguntando quantos outros exemplos não devem existir por esse Brasil afora?

Poderíamos apontar um culpado por esse rumo diferente que o partido tomou? O ex-presidente Lula?

Jamais, na minha análise – isso é um princípio – personalizo os acontecimentos. Porque não acredito que a história humana seja feita por meio de salvadores da pátria. É feita de movimentos e processos sociais. É preciso que haja uma luta interna no PT muito acirrada para que o partido seja minimamente coerente com suas origens e propostas.

O senhor é a favor do “volta, Lula”? Ele poderia “salvar” o governo desta atual crise?

Minha avaliação é que Lula só não será candidato à presidência em 2018 se morrer. Fora isso, tenho absoluta segurança de que ele será candidato. Não foi ele que me disse isso, é apenas da minha cabeça. Mas a questão não é “com o Lula voltando, as coisas vão se resolver”. O problema é o rumo que o partido tomou e imprimiu ao governo do Brasil. Há coisas extremamente positivas, mas a expectativa era muito maior. Governo se faz com luta interna, aprendi isso nos dois anos em que estive lá. Governo é como feijão, só funciona na panela de pressão. Aquilo é um caldeirão em fervura permanente. Mas é preciso que haja alguns segmentos dentro do governo capazes de elaborar uma proposta estratégica a longo prazo, que sirva de norte para as políticas. E isso não existe hoje.

O que existe?

Um pacote de propostas pontuais. A falta de horizonte histórico no projeto do governo, agravada pelo fim das ideologias libertárias desde a queda do muro de Berlim, é o que explica por que o debate político hoje desceu do racional para o emocional. É como briga de casal. Quando se perde um projeto amoroso ou da família, emoções afloram, insultos, ofensas, sentimento de ira e vingança, porque não se tem horizonte. Quando esse horizonte histórico existe, quando se tem projeto estratégico, o debate democrático fica no nível da racionalidade, não da emocionalidade. Mas essa fúria nacional que perpassa todos os ambientes só vai terminar se houver alguma força política que aponte um projeto histórico.

Entrevista ao jornal ESTADO DE S. PAULO, 30 de março de 2015 / THAIS ARBEX

Brasil Econômico – entrevista – O PT, infelizmente, se descolou das bases populares

Segundo Frei Betto, um dos fundadores do PT, partido transformou movimentos sociais em representantes do governo junto às bases.

Carlos Alberto Libânio Christo, o Frei Betto, é um dos principais nomes da esquerda brasileira. Amigo e compadre de Lula, Betto participou dos dois primeiros anos petistas no Planalto e saiu disparando críticas, relatadas nos livros “Mosca Azul” e “Calendário do Poder”, duas das 60 obras publicadas pelo teólogo dominicano. Também foi o principal articulador da aproximação da Igreja Católica com o regime de Fidel Castro, em Cuba. Ainda hoje, é próximo do líder cubano. Nesta entrevista, Betto mostrou-se descontente com o distanciamento do PT em relação aos movimentos sociais, “transformados muito mais em representantes do governo junto às bases do que representantes de suas bases junto ao governo”. Diz que fica indignado quando vê, nas eleições, pessoas pagas para segurar cartazes de propaganda do PT: “Isso é um sinal de que o partido, infelizmente, se descolou de suas bases populares”. Nesse contexto, prevendo a ruptura com o PMDB em 2018, acredita que a continuidade do projeto petista está ameaçada. “Pela primeira vez, a candidatura Lula não é garantia de eleição”.

O sr. está descontente com o governo. Por quê?

Sempre mantive uma visão crítica de qualquer governo, inclusive de Lula e Dilma, nos quais votei nas últimas eleições. Quem leu meus livros sabe o quanto eu esperava um rumo que o governo não abraçou. Continuo pensando que este governo é um mal menor. Prefiro Dilma a um Aécio (Neves), por exemplo. Mas é um governo que decepciona quanto às expectativas que foram criadas desde a fundação do PT, em 1980. Desta vez, eu esperava apenas que a presidente Dilma fosse coerente com as promessas de campanha. Eu, Leonardo Boff e outros companheiros e companheiras da Teologia da Libertação tivemos um encontro de pouco mais de uma hora com ela no Planalto após a eleição. Apresentamos um documento de críticas e reivindicações que ela recebeu muito bem. Por isso, não esperava que ela fosse adotar uma política econômica muito mais adequada ao que seria um governo do PSDB, ou que fosse nomear uma Kátia Abreu para a Agricultura.

Quais as principais mudanças no governo dela?

Durante esses últimos anos houve uma política neodesenvolvimentista, eu diria até um capitalismo populista, que favoreceu as camadas mais pobres da população, tirando 36 milhões de pessoas da miséria. Mas não se criou uma política de sustentabilidade dessa política. Em 12 anos de governo, o PT não fez nenhuma das reformas que prometia em seus documentos originários, nem a agrária, nem a tributária e nem a política. Agora, chegou a hora de pagar a conta, porque o buraco existe. E, para isso, se adotou uma política econômica que penaliza os mais pobres. E não há nenhuma dessas propostas do Joaquim Levy que penalize os mais ricos.

Em que sentido?

Ainda hoje, nosso sistema tributário se baseia mais no consumo do que na produção. Penaliza o consumidor, e não o capital. Ainda tivemos uma vulnerabilização dos direitos conquistados pelos mais pobres, com cortes no seguro desemprego e nas pensões. Não houve redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais, que evitaria a volta do desemprego, e não acabaram com o fator previdenciário. Não há uma decisão quanto à tributação de heranças, dos royalties, da transferência de grandes fortunas. É preciso que a pressão social e institucional se fortaleça. Governo é como feijão, só funciona na panela de pressão.

A pressão de hoje é desqualificada pelo governo, atribuída a uma classe média mais abastada. O sr. concorda?

De jeito nenhum. Considero as duas manifestações extremamente positivas como exercício da democracia e expressão da cidadania. Mas acho que houve um equívoco da parte dos que apoiam o governo em convocar para a sexta-feira 13, um dia de trabalho, em que as pessoas estão ocupadas e as ruas estão lotadas de veículos. Os opositores convocaram inteligentemente para um domingo em que as ruas estão livres, e as pessoas folgadas para sair de casa para se manifestar.

O sr. fala muito sobre o descolamento do PT de suas bases originais…

O PT chegou à Presidência por força dos movimentos sociais. E, ao chegar, abandonou os movimentos, não assegurou a governabilidade por meio deles. Preferiu a via do mercado e do Congresso, com as alianças partidárias, muitas delas espúrias. Isso levou o PT a trocar um projeto de Brasil, que implicava em reformas estruturais, por um projeto de poder. Manter-se no poder se tornou mais importante do que mudar a feição estrutural deste país injusto e desigual, embora as políticas tenham diminuído o sofrimento dos mais pobres. Hoje, tenho muita dificuldade em ver uma recuperação do PT. Minha previsão é de que o PMDB não apoiará o PT em 2018, e não duvido que faça aliança com o PSB para sair com candidato próprio. Pela primeira vez a candidatura Lula, que sem dúvida virá, não é garantia de eleição.

Mas pelo carisma e influência que tem no PT, Lula é um candidato forte…

Sim, visto de hoje ele é mesmo um candidato muito forte, o mais forte que existe. Mas nós estamos começando um processo de quatro anos. Serão quatro anos de turbulência, muitas mobilizações, greves, reivindicações para um governo que perdeu o rumo, que tem políticas pontuais, mas não tem estratégia. A cada manifestação, o governo diz que vai atender a isso ou aquilo. Não se pode governar um país da grandeza do Brasil na base de concessões pontuais. É preciso ter uma estratégia. Mas com a aliança partidária e o cerco que o Legislativo montou com Eduardo Cunha e Renan Calheiros, fazendo o Executivo sangrar literalmente, duvido muito que o PT consiga retomar a aliança consolidada que lhe permitia vitórias no parlamento. Mais do que nunca, o partido precisa se voltar para os movimentos sociais.

É viável governar só com os movimentos sociais?
O que garante a governabilidade de qualquer poder em qualquer parte do mundo é o apoio popular. Mas o PT perdeu esse vínculo com as bases populares. Fico indignado quando, nas eleições, vejo pessoas desocupadas, em geral jovens, que são pagos para segurar cartazes de propaganda do PT nas esquinas, quando antigamente havia toda uma multidão de militantes voluntários que passava as noites fazendo propaganda para o partido. Hoje, os poucos movimentos sociais totalmente alinhados, como a UNE e a CUT, foram transformados mais em representantes do governo junto às bases, do que representantes de suas bases junto ao governo, como é o correto. Temos um governo que é resultado desses movimentos, mas que não crê que é possível governabilidade com seu apoio.

Documento vazado do Planalto diz que a militância petista se sente acuada pela corrupção e desmotivada porque não compreende a nomeação de Joaquim Levy…

Está corretíssimo. Por um lado, o PT fala que é expressão do MST e do MTST, mas, por outro, adota uma política conservadora. Quem assistiu ao filme “Adeus, Lenin” poderia fazer uma comparação. Se algum petista tivesse entrado em coma em agosto de 2014, despertasse agora e visse o noticiário, estaria convencido de que Aécio venceu a eleição.

No cenário atual, é possível dar a guinada que o sr. propõe?

Se o Executivo ousasse ser fiel aos programas originários do PT e adotasse uma política de reforço do mercado interno, com auditoria da dívida pública, que hoje consome 40% do orçamento da União, se ousasse dar essa volta por cima, conseguiria mobilizar aqueles que sempre o elegeram, em quatro mandatos. Mas isso seria quase um milagre.

Por quê?

Quando vejo no noticiário que o PT ainda busca fortalecer sua aliança com o PMDB, duvido muito que se levante pela governabilidade via movimentos sociais. Isso deveria ter começado em 2003, 2004. Perdeu-se a oportunidade, os movimentos sociais foram escanteados; se queixam de não serem ouvidos, a não ser em momentos de eleição. Fico indignado quando o governo federal adota o lema “Brasil, Pátria Educadora” e no dia seguinte corta R$ 14 bilhões do orçamento do Ministério da Educação.

O mesmo documento diz que é difícil fazer o eleitor acreditar que a inflação está sob controle quando ele vê o preço da gasolina subir 20%, e a conta de luz, 33%.

Um dos equívocos do governo foi facilitar o acesso do povo aos bens pessoais, e não aos bens sociais, ao contrário do que a Europa fez no início do século 20. Você vai a um barraco de favela e lá tem TV, geladeira, talvez um computador e até um carro pago em 90 prestações. Mas a família continua no barraco sem saneamento. O brasileiro teve acesso aos bens sociais, mas não teve acesso a educação, saneamento, moradia e segurança. Essa foi a cobrança de 2013.

Qual a diferença para os protestos atuais?

Uma das características preocupantes, tanto dos movimentos de 2013 e 2014, quanto de agora, é que eles são de protesto, e não de propostas. Isso cria um caldo de cultura favorável ao neofascismo, para que se espere um salvador da pátria. Nem a esquerda, nem a direita tem propostas. O governo não tem estratégia, o governo tem medidas pontuais, como essa agora de combater a corrupção. Mas por que o PT não se posiciona em relação ao mensalão e à Petrobras? Ficam em cima do muro, esperando que a Justiça decida. As pessoas não são bobas, tem uma hora que começam a pensar: “Bom, se não tomam uma posição…”. Acaba fazendo com que os militantes, aqueles que são íntegros, sejam confundidos com os responsáveis pelas suspeitas de corrupção.

O sr. falou na possibilidade de surgir um “salvador da pátria”. Há um clima golpista?

Não. De jeito nenhum. Primeiro, por uma razão subjetiva: as Forças Armadas estão desmoralizadas. Elas mesmas não têm mais interesse em uma intervenção política no país. O desgaste dos 21 anos de ditadura foi muito grande para os militares. Segundo, os Estados Unidos custaram, mas aprenderam que golpes na América Latina desgastam muito o discurso democrático com o qual tentam convencer o mundo inteiro. Eu até digo que o único país das Américas onde não teve golpe foi os EUA, porque, lá, não tem embaixada americana. Nos demais, todos tiveram, em algum momento, um golpe militar patrocinado pelos EUA. Não creio que haja qualquer clima de golpismo, intervenção militar, nada disso. Nem de impeachment. Porque qual é a alternativa? O PMDB com o Michel Temer na presidência? Não é isso que as pessoas querem.

Mas por que se fala tanto disso?

Inconscientemente, as pessoas estão em busca de um projeto político. Nem a situação, nem a oposição apresentam esse projeto. Como estamos em um momento de carência ideológica, de grandes narrativas, de referências históricas, a discussão baixou do racional para o emocional. Quando você perde a visão da floresta, fica discutindo a cor da casca da árvore. E não adianta querer resolver a questão por essa discussão, é preciso ver o conjunto da floresta. Por isso, as pessoas falam em ódio, em disputas familiares por discordância política. As pessoas não estão tendo a serenidade de uma visão a médio e longo prazo. Está tudo no pontual, e, assim não vamos a lugar nenhum.

A presidenta insiste em programas anticorrupção e na necessidade da reforma política. Isso resolve?

Teve 12 anos para isso e não fez. Agora, quem garante que, com este Congresso, a reforma política vai, realmente, moralizar um pouco a política brasileira, democratizar mais o país e assegurar uma série de determinações constitucionais que não foram regulamentadas como deviam?

O fim do financiamento empresarial de campanha satisfaria, em parte, a demanda da opinião pública?

Seria uma medida importante, mas é pontual. Mesmo que se acabe com isso, e acho muito importante que se faça, o caixa 2 vai continuar. Não há como evitar que isso ocorra. Não creio em ética do político, creio em ética na política. É preciso criar uma institucionalidade política que iniba o representante de corromper ou ser corrompido.

O que seria isso exatamente?

Não se cria uma moralidade que faça com que o empreiteiro perca a ânsia de corromper. Agora, quando você tem um juiz Sérgio Moro, uma Justiça que atua com eficiência e transparência, isso cria uma inibição. A mãe da corrupção é a impunidade. Costumo dizer que o ser humano tem dois problemas insolúveis: defeito de fabricação, que a Bíblia chama de pecado original, e prazo de validade.

Se o senhor assessorasse a Dilma, como fez com o Lula, o que aconselharia?

Eu repetiria o que disse a ela no dia 26 de novembro: para convocar os movimentos sociais e formadores de opinião que apoiam o governo para criar um conselho permanente de avaliação crítica do governo e de suas propostas. Reunindo, principalmente, as lideranças dos movimentos sociais. Lula tentou isso em 2003, com o chamado Conselhão, que acabou sendo engolido pelo empresariado e pelos banqueiros, a ponto de os líderes de movimentos populares e sindicais se sentirem incomodados ali dentro. Eles se afastaram e o Conselhão se esvaziou. Dilma precisa buscar sua legitimidade com os movimentos sociais. Foi o que Evo Morales fez na Bolívia. Ele não tinha apoio do Congresso. Em vez de fazer alianças espúrias, buscou apoio dos movimentos sociais, que conseguiram destacar lideranças eleitas para o Congresso. Hoje, ele tem apoio da base popular e do Congresso da Bolívia.

Ela não perderia o apoio de partidos da base se fizesse isso?

Certamente. Mas ganharia o mais importante, que é o apoio popular. É preciso ter coragem.

Uma derrota em 2018 poderia fortalecer a mobilização dos movimentos sociais, na oposição?

Seria trágica uma volta para a oposição. Voltaríamos a uma política que aprofunda a desigualdade social, que enxerga o investimento social como um gasto a ser contido. Voltaríamos à total valorização dos rentistas e do capital especulativo, a uma visão que reforça o desmatamento e a expansão do latifúndio. Não quero isso para o Brasil.

Mas o governo manteve essas práticas. O que mudou?

Este governo fez coisas boas, como a soberania nacional, o distanciamento das nações metropolitanas. Fora D. Pedro II, nenhum governante do país tinha pisado no mundo árabe. Lula foi o primeiro. Essa independência conquistada pelo PT tem que ser preservada. Nisso, a diplomacia brasileira é exemplar. Hoje, é respeitada no mundo por sua autonomia. Não é subserviente a nenhum esquema de aliança que os EUA propõem, como a Alca, que, felizmente, fracassou.

As lideranças do PT estão envelhecidas. Um retorno às bases não passa por uma renovação dos quadros?

Isso é importante. Paradoxalmente, nestes 12 anos, o PT despolitizou a nação, quando era um partido do qual se esperava um amplo trabalho de politização, principalmente das bases populares e dos mais jovens. Uma série de políticas sociais foram colocadas em prática, mas sem o complemento de trazer uma educação política para os beneficiários dos programas. Com isso, hoje, nós temos uma nação e um partido sem lideranças. As lideranças do PT se queimaram politicamente e o partido não tem novos quadros porque não fez o dever de casa de reproduzir suas bases, como havia nos anos 80 e 90. Quando você ia à periferia de São Paulo, encontrava, em todos os bairros, um núcleo do partido e pessoas orgulhosas disso. Tudo isso desapareceu. O partido ficou de salto alto, e muitos desses líderes populares, por meio de suas carreiras políticas, descolaram-se da base popular. Mudaram de classe social, com casa na praia, sítio, fazenda etc. São raros os que ainda vão para a periferia no fim de semana para fazer política, como o Paulo Teixeira, o Molon e o Vicentinho.

Há espaço para um novo partido de esquerda?

Hoje, o Psol desponta como um novo partido, também com suas limitações e dificuldades. Mas não vejo necessidade ou condições para se criar outra legenda.

O ambiente pode ficar favorável para a direita em 2018?

Sem dúvida. Ainda mais considerando que as pessoas sabem contra o que querem protestar, mas não o que querem propor. Nem a direita, nem a esquerda, nem a oposição, nem a situação têm visão estratégica de qual é o projeto necessário ao Brasil.

O sr. conversou recentemente sobre essas preocupações com Fidel Castro no seu último encontro, em Cuba?

Sim. Quando ele me pergunta sobre a situação do Brasil, eu a externo, como faço nos artigos que escrevo. Tanto ele quanto o irmão Raúl são muito árduos na diplomacia. Ele escuta e anota, mas não se posiciona, não quer correr o risco de eu ou outra pessoa sairmos dizendo se ele concorda ou discorda. Não quer interferir. Mas continua mostrando um interesse grande por nossa realidade. Até porque, hoje, o Brasil é o terceiro ou quarto parceiro de Cuba. O primeiro é a China, o segundo a Venezuela, e o terceiro lugar fica entre Brasil e Rússia.

Fidel está bem de saúde?

Muito bem. Como ele disse, “para o azar dos meus inimigos, eu continuo vivo”. Está magrinho, mas com a mesma lucidez de quando o conheci, em 1980. Muito interessado em toda a conjuntura mundial. E anotando tudo o que a gente fala, como um bom aluno jesuíta. Sempre que você o vê numa foto, tem um bloco e uma caneta na frente.

Desta vez a aproximação com os EUA vai marchar mesmo?

Vai, porque a questão do bloqueio não deu certo, como o próprio Obama declarou, no dia 17 de dezembro. Obama reconheceu o fracasso e os cubanos, inteligentemente, não quiseram tripudiar em cima dessa frase. Eu diria que é uma equivalência, em termos virtuais, da derrota imposta pelos vietnamitas na Guerra do Vietnã. Após 53 anos de bloqueio, o presidente dos EUA veio reconhecer, em público, que não funcionou. O país resistiu, sobreviveu, a duras penas, e agora os EUA têm de mudar em relação a isso.

O sr. acha que o Brasil tem forças para sair da crise?

Acho que sim, porque o país é muito criativo. O Brasil sempre passa por muitas crises e consegue dar a volta por cima. Não sei dizer, hoje, quando e como, mas creio que sim. É um fôlego muito grande, imagina-se que o PIB real deste país, que hoje beira os R$ 4 trilhões, tenha sua equivalência no PIB paralelo. É um país muito forte. Agora, isso vai ter um custo social muito grande, por essa questão da volta da inflação, do aumento do dólar, da China reduzindo as importações do Brasil, outro erro que se cometeu nesses anos. Como no Império, somos um país que depende de suas exportações agrícolas. Isso também é uma falha muito grande. Pedro Vaz de Caminha dizia que, aqui, “se plantando, dá”, mas mesmo não se plantando, dá. Porque onde a produção não é cultivável, é extratível, como na Amazônia. Então, não se justifica o Brasil ter qualquer dependência do mercado externo.

Mas o governo tem que ajudar…

Exatamente, o que está faltando é isso. Quando Deus criou a América Latina, os anjos se queixaram, porque havia um país com dimensões continentais. Eles até propuseram, no sindicato angélico, que fosse retalhado em vários pequenos países, proporcionais aos demais. Mas Javé disse a eles: “Esperem só para ver que tipo de políticos aquela gente vai eleger”. Porque, fora isso, a gente vive em um paraíso.

Frei Betto encontra Fidel Castro

‘Para azar dos meus inimigos, continuo vivo’, diz Fidel a Frei Betto

Em visita de uma hora e meia, escritor brasileiro constata que, embora mais magro, ex-presidente cubano, de 88 anos e desde janeiro de 2014 sem aparecer em público, está muito lúcido, desmentindo os rumores sobre sua morte. Fidel Castro se mostrou otimista.

O escritor Frei Betto esteve com Fidel e, em entrevista a SANDRA COHEN, disse que o ex-líder cubano está bem de saúde, lúcido e elogiou Obama e o Papa. O escritor Frei Betto desembarcou semana passada em Havana, empolgado com as primeiras negociações entre representantes dos governos de Cuba e EUA e também apreensivo com rumores de que a saúde do ex-presidente Fidel Castro, de 88 anos e que não é visto em público desde janeiro de 2014, havia se deteriorado.

Anteontem à tarde, no entanto, após uma visita que durou uma hora e meia, saiu aliviado da casa de Fidel: encontrou-o bem mais magro, em relação à ultima vez em que se viram em fevereiro passado, mas “absolutamente lúcido”, como relatou ao GLOBO. Acompanhados o tempo inteiro por Dalia, mulher do ex-presidente, os dois conversaram sobre a reaproximação com os EUA, boatos de sua morte e até física quântica.

Em Havana, para o Congresso Mundial de Pedagogia e palestras, Frei Betto, que é colunista do GLOBO, ouviu elogios de Fidel ao presidente americano, Barack Obama, e ao Papa Francisco. A visita ganhou destaque ontem na imprensa cubana. “O encontro aconteceu em um clima afetuoso, característico das amplas e fraternais relações existentes entre Fidel e Betto”, noticiou o “Granma”, o jornal oficial, em sua edição on-line. Fidel só não quis tirar foto: “As chances de não sairmos bem são bem maiores do que as de sairmos bem”, alegou ao amigo.

Como se deu o encontro com Fidel Castro?
Frei Betto: Toda vez que venho a Cuba, Fidel me convida à sua casa, estive com ele em fevereiro passado. Ontem (27/01/2015) ele mandou me buscar no hotel e fiquei lá durante uma hora e meia. Há muito tempo ele não aparece em público. E no dia 3, morreu o Fidel Castro Odinga, filho de Raila Odinga ex-premier do Quênia, gerando também rumores de que ele havia morrido. Comentei com ele sobre essa coincidência. Fidel riu e disse que já morreu várias vezes, e acrescentou: “Para azar dos meus inimigos, continuo vivo.”

Ele está muito bem e bem mais magro. A cabeça está perfeita. Fidel é muito detalhista, anota tudo. Quis saber onde estou hospedado, o que eu fiz, com quem falei, e sempre anotando. Ele é o homem do detalhe. Me perguntou sobre o Papa Francisco, com quem estive em abril do ano passado, e quis um relato detalhado do encontro. Disse que tinha lido meu livro “A obra do artista, uma visão holística do Universo” (José Olympio), que foi traduzido em Cuba. E mostrou-se entusiasmado. Fidel gosta muito de cosmologia e física quântica, e o livro aborda isso. Conversou sobre as hipóteses de universos paralelos. Estava muito empolgado com o assunto e me pediu mais bibliografia sobre essa linha. Eu me comprometi a buscar mais livros sobre a evolução do Universo, e de física quântica para ele.

Comentei sobre a carta que ele mandou para a Federação dos Estudantes Universitários, em que aborda o reatamento das relações com os Estados Unidos. Eu disse que o diálogo é importante, é o encontro do caminhão consumista com o Lada (marca de veículos russos) da austeridade. Por enquanto, vai ser muito difícil a sintonia, porque um fala em FM e outro em AM. Ele concordou.

O que mais ele disse sobre o movimento de aproximação entre Cuba e EUA?
Frei Betto: Ele acha fundamental, mas disse que não pode perder de vista que os EUA ainda continuam com o objetivo de colonizar Cuba. Por outro lado, avaliou que primeiro é preciso acabar com o bloqueio econômico e tirar o país da lista dos países terroristas, que os EUA demonstrem medidas concretas de boa vontade. Ele está muito feliz com o prestígio que Obama está tendo nessa segunda gestão, e com o fato de o Congresso americano estar com baixa popularidade.

Ele se mostrou entusiasmado com Obama?
Frei Betto: Exatamente. Ele é um entusiasta do Obama e acha muito positivo o que o presidente americano vem fazendo. Mas, ao mesmo tempo, diz que o processo é muito longo. Os EUA tomaram uma série de medidas contra Cuba, que precisam ser canceladas.

Ele mencionou alguma dificuldade nessas primeiras negociações ocorridas semana passada em Havana?
Frei Betto: Não, mas se disse muito otimista. E ressaltou: “Mesmo sendo inimigos, nós temos que dialogar”. Mas sempre observando que é um longo caminho.

Vocês conversaram sobre as mudanças internas em Cuba?
Frei Betto: Não. Abordamos muito política a internacional. Falamos sobre o atentado na França e ele disse que gostou muito da reação do Papa Francisco. Concordou com Francisco e disse: “A liberdade de expressão tem limites. Você pode se expressar, mas não tem o direito de humilhar ou ofender”. Fidel elogiou a atitude do Papa, quando disse que, se xingassem sua mãe, devolveria com um murro.

E quais foram suas outras impressões sobre o estado de saúde de Fidel?
Frei Betto: Ele estava tão bem que eu lhe propus tirar uma foto. Ele não quis, mas brincou: “As chances de não sairmos bem são bem maiores do que as de sairmos bem”. Eu acredito que ele não quis porque não havia fotógrafo oficial e a foto teria que ser improvisada por alguém. Mas me autorizou a divulgar o teor da nossa conversa. Foi um alívio para mim tê-lo encontrado tão bem. Muitos amigos daqui diziam que há muito tempo não tinham notícias dele, e especulavam que poderia ter piorado, estar doente ou no hospital. Quando os prisioneiros cubanos regressaram ao país, esperava-se que aparecessem em fotos com Fidel, e isso não aconteceu. Disseram-me que eles se encontraram com Fidel, mas em privado.

Minha interpretação para isso é de que Cuba está tendo uma atitude muito respeitosa diante do reconhecimento de Obama de que o bloqueio não funcionou. Eles não querem tripudiar em cima disso. Estão tratando esse assunto com muito respeito. Interessa para Cuba o fim do bloqueio, interessa o reatamento com os EUA. A previsão é de que virão três milhões de americanos por ano para o país. E a preocupação é que não haja infraestrutura para absorver tanta gente.

Fidel estava andando?
Frei Betto: Desde que cheguei, ele permaneceu o tempo inteiro sentado à mesa de trabalho, vestido com traje esportivo, e sempre fazendo anotações. Está bem magro, mas absolutamente lúcido. Durante a conversa, fomos acompanhados pela Dalia, sua mulher.

Como o senhor acha que os cubanos estão encarando o degelo nas relações com os EUA?
Frei Betto: Os cubanos, em geral, estão otimistas e ao mesmo tempo apreensivos. Sabem que será um grande choque cultural. Às vezes eu pergunto se estão preparados para a tsunami e recebo de volto uma pergunta: será que estamos preparados? A questão agora é saber como os valores da Revolução serão preservados.

Quais as mudanças que o senhor notou em Cuba em relação à sua última viagem, no ano passado?
Frei Betto: Noto que Cuba vive um momento de euforia, o prestígio de Raul é impressionante. Ouvi várias vezes frases do tipo: “A nossa sorte é que os dois estão vivos, pois sabem como conduzir esse momento”. O processo de abertura econômica é inicial, está começando. Mas sinto otimismo de que isso vai melhorar as condições de vida do país.

O Globo 29 de janeiro de 2015SANDRA COHENsandra@oglobo.com.br

50 años de la Revolución Cubana

Para celebrar los 50 años de la Revolución cubana, la Asociación Suiza-Cuba había invitado a François Houtart (FH), profesor emérito de sociología, fundador del Fórum de las Alternativas y de la revista Alternativas Sud y uno de los padres de la Teología de la liberación (TL). Hoy tenemos la oportunidad de entrevistar a Frei Betto (FB)1, escritor, portavoz de la Teología de la liberación y antiguo asesor del Presidente brasileño Lula, en torno a las mismas preguntas que le habíamos hecho a FH: ¿Cuales serán las alternativas después del capitalismo? y ¿Qué aprender de las experiencias alternativas de América latina (AL)?2 De ese modo, intentaremos simular una especie de diálogo entre estos dos grandes conocedores de las realidades sociales de los países del Sur.


Andrea Duffour: Frei Betto, ¿en qué oportunidades se entrevistó usted con François Houtart?

Frei Betto: Yo soy muy amigo de François Houtart desde muchos años y tenemos tareas comunes en América Latina. FH conoce profundamente AL, ha asesorado muchos movimientos sociales, eclesiales, incluso gobiernos, estuvimos juntos asesorando el gobierno cubano durante la visita de Juan Pablo segundo en 1998, y la última vez que estuve con el padre, ha sido en el Foro Social en Belem, tenemos las mismas perspectivas, los mismos anhelos, y los mismos compromisos.

François Houtart (FH), así como una parte de la población mundial, en la que me permito incluirlo, han analizado y comprendido las dimensiones destructoras de la propia lógica del sistema capitalista, basada en la explotación y en la conversión en mercancía de los seres humanos y de la naturaleza. Esas personas llegaron a la conclusión de que se debe deslegitimar el capitalismo y sustituirlo por alternativas. Propongo que en el tiempo que nos concede, nos regale usted la parte de denuncia de las aberraciones del sistema – pero que empecemos directamente con el punto en que muchos debates se detienen, con el postulado que no hay duda sobre la ilegitimidad del sistema actual. Así, no tentaremos de humanizar o de reformar el capitalismo sino de discutir alternativas. Adaptando una perspectiva pos-capitalista – no le pido que le de un nombre sino un contenido – he aquí mi primera pregunta: ¿Cuáles son las experiencias fuera de la lógica capitalista que más le han marcado y por qué?

Frei Betto: Conozco experiencias sistémicas como los movimientos populares del Brasil, comercios justos, cooperativas, y otras que están fuera de la lógica del mercado y de la propia lógica capitalista. De un punto de vista sistémico, conocí bien la experiencia de la Unión Soviética, donde estuve varias veces durante el sistema socialista. Hoy estoy convencido de que el sistema soviético jamás rompió con la lógica capitalista. Cuando me recordó que Lenin decía que lo más importante en esta revolución era electrificar la Unión Soviética, era una todavía una lógica productivista, consumista. La Unión Soviética ha logrado ser pionera en la conquista espacial, pero no logró adoptar condiciones efectivas de felicidad para su pueblo. La completa estatización de todos los sectores de la vida ha creado muchos problemas, incluso la corrupción, porque la gente buscaba formas informales de obtener ganancias. China, por ejemplo, que también ha intentado salir fuera de la lógica capitalista, es un país que prácticamente con su mano de obra barata sustenta las impresas transnacionales ayudando a expandir toda esta perspectiva consumista. Entonces yo diría que el sistema que más salió de la lógica capitalista es Cuba. Cuba efectivamente ha hecho una inversión en los derechos sociales y no tanto en la perspectiva productivista consumista.

FH nos recordó también que la Revolución cubana no sólo transformó las estructuras políticas, sino también la mentalidad de las personas. En su articulo, “Hambre de justicia”, usted recuerda que el hambre elimina cerca de 1000 personas por hora ¿Cómo explica usted que un país pobre como Cuba haya logrado no formar parte de esas tristes estadísticas y que desde medio siglo, no tiene ni un solo niño que muera de hambre o de una enfermedad curable?

Frei Betto: En Cuba, se ha garantizado a toda la población de 11 millones de habitantes los tres derechos humanos fundamentales que son, por la orden, la alimentación, la salud y la educación. En Cuba hay pobreza, pero no hay miseria y Cuba puede poner en el aeropuerto de la Habana un cartel que afirma: “Esta noche, 200 millones de niños van a dormir en la calle, ningún de ellos es cubano”.

Siempre me recuerdo uno de sus textos: “Cuba y el don de la vida”3 ¿Podría usted en primer lugar resumirnos sus ideas principales?

Frei Betto: El don mayor de Dios es la vida, no es el Vaticano, no es la Teología de la liberación, no es el Opus Dei, es el don de la vida (ver Juan 10:10). Otra vez, el único país de AL que ha garantizado la vida a toda su populación es Cuba; lamentablemente en los demás países una gran parte de la población está excluida de las posibilidades de una vida digna. Papa Juan Pablo Segundo en su visita a Cuba ha reconocido y elogiado públicamente las conquistas sociales de Cuba. Cuba todavía tiene que mejorar muchísimo, hay muchos problemas, porque Cuba es una isla multiplicado por cuatro, una isla natural, una isla por ser el único país socialista de la historia del Occidente, una isla por que el apoyo de la Unión Soviética desapareció, y una isla por el criminal bloqueo impuesto por el gobierno de los Estados Unidos. A pesar de toda esta situación difícil, Cuba mantiene con su soberanía y con condiciones dignas de vida para toda su población y quizás por eso se explique que en Cuba en los últimos 50 años nunca hubo una rebelión popular que la policía tuvo que reprimir. Repetidamente unos dicen: “¿Pero porque hay gente que salen de Cuba?” Claro, porque para vivir en el socialismo es como vivir en un monasterio: Tu tienes que ser altruista, pensar en la comunidad primero y no en si mismo, y todos nosotros nacemos capitalistas, nacemos egoístas, entonces hay gente también en Cuba que quieren salir, para tratar de enriquecerse, de los monasterios también salen muchos monjes que non suporten la vida comunitaria de compartir todos los bienes.

En este texto, también había la idea de la cabeza y de los pies…

Frei Betto: Si, porque uno – la cabeza- piensa como los pies pisan. Nosotros que vivimos en las naciones de consumismo tenemos una cabeza capitalista y la gente en Cuba que vive en una situación del repartición de los bienes tiene una cabeza socialista, pero siempre hay excepciones, porque no somos un reflejo automático de las condiciones sociales en que vivimos, incluso, porque podemos cambiar estas condiciones sociales, lo que explica que hay gente que no soportan el espíritu, las estructuras comunitarias que predominan en un país como Cuba.

En relación con la Teología de la liberación (TL): Su compatriota Don Helder Camara decía: “Cuando doy de comer a los pobres, dicen que soy un santo, cuando denuncio las causas de la pobreza, dicen que soy un comunista”. ¿Cual sería el aporte de la TL a un proyecto pos-capitalista? ¿Puede la TL ser apolítica?

Frei Betto: Toda teología tiene un contenido político, también todos nosotros consciente o inconscientemente, hacemos política, o por legitimación de la desorden establecida en el sistema capitalista, la desigualad, o por la contestación a esta desorden justamente con una visión pos-capitalista de búsqueda de un otro mundo posible, como afirma el Foro Social Mundial. La TL es una teología que parte de esta situación de opresión en AL, África y Asia, y el anhelo principal de la gente es lograr la liberación, una vida digna, o sea, salir de la miseria a que está condenada. El aporte de la TL a un proyecto pos-capitalista empieza por el hecho de incrementar en la gente una visión critica al capitalismo, un sistema que tiene como valor absoluto la propiedad privada, o sea, para los pocos propietarios que viven a los costos de la mayoría de gente que no tiene ningún derecho a ser propietario, ni siquiera de su mano de obra, de su dignidad personal, de su sobrevivencia biológica, sin ningún espacio para desenvolver sus dones espirituales, intelectuales, artísticos, gente que está virtualmente esclavizada por el sistema que vive de la explotación del trabajo de los demás. Entonces la TL no tiene propiamente una propuesta socialista, tiene una propuesta de superación de la opresión humana y muchas veces también una visión critica del propio socialismo en la medida en que la teología trabaja con el paradigma del reino de Dios, que no es algo que está por arriba, sino algo que está por delante. En el sentido que tenemos que perfeccionar cada vez más las relaciones humanas aquí abajo, los sistemas políticos, económicos y sociales hasta llegar a la completa erradicación de la alienación en la historia humana, lo que, de un punto de vista teológico, la llamamos la erradicación del pecado, en el sentido de crear una civilización de “amorización” completa, y eso requiere tiempo y pasa por muchos procesos sociales en el futuro.

Usted habla de “amorización”. Si concentramos ahora nuestra conversación en estos factores externos del sistema actual, en los valores como la ética, la noción de calidad de vida, el vivir bien y no vivir mejor, las relaciones no comerciales, la solidaridad internacional, la justicia, y justamente el amor ¿Cómo podemos desarrollar el sistema de valores en nuestras sociedades?

Frei Betto: Esto se puede hacer a través de dos factores: Hay que encontrar espacios alternativos de educación, para que desde la niñez se pueda infundir en la gente concepciones comunitarias, amorosas de una civilización globalizada del punto de vista de la globalización de la solidaridad, porque lo que tenemos hoy no es globalización, es “globo-colonización”, es la imposición al planeta de un modelo de sociedad que es el modelo anglosajón, productivista-consumista de exclusión social. El segundo factor son las organizaciones y movimientos populares: ahí se puede también desarrollar estos nuevos valores, esta nueva mentalidad: nadie es capaz de por si mismo llegar a estas nuevas concepciones. Esto es un proceso social, tiene que tener vínculos colectivos para desarrollar estos valores amorosos y desde ahí encontrar una ética de solidaridad.

Usted dijo que la TL tiene una visión crítica del propio socialismo. Aun yo pregunto ¿En qué condiciones se podría llamar “socialista” a ese proceso?

Frei Betto: Se puede pensar en el socialismo como un sistema de abundancia material para todos como lo hicieron en el socialismo del este europeo. Hoy se reconoce como un equívoco. Pero tenemos que pensar el socialismo como una abundancia espiritual, o sea, mismo que hay dificultades, la gente va comprender que hay dificultades para todos, que son producidas por el hecho del socialismo de coexistir con un mundo de competición, de egoísmo, de explotación, es decir, un mundo capitalista. Y desde ahí, encuentras formas superando estas ideas hasta que descubres que en el socialismo, así como afirma le palabra, los derechos sociales están por encima de los derechos personales, pero en que las potencialidades personales pueden desarrollar también, sin poner una contradicción entre uno y otro, es mucho más humanizador, mucho más amoroso, sobre todo capaz de atender a este anhelo fundamental de todo nosotros que es conquistar la felicidad. Nosotros tenemos que caminar en otra dirección y, quizás prestar atención, porque AL de todos los cinco continentes, es el que ha tenido estadísticamente menos violencia, menos guerra, y porque de los cinco continentes en AL hoy hay mucho más esperanza en el futuro que en los demás? Aquí la gente mira al pasado, se agarra fuertemente a este presente consumista con miedo de perder su riqueza, pero en América Latina, hay pueblos que han logrado un rechazo del modelo liberal, ya no creen en los mesiánicos neoliberales como Meném en Argentina, Fujimori en Perú, Collor de Melo en Brasil, Caldera en Venezuela, ahora escogen gente del pueblo para gobernar, y eso representa un cambio muy significativo y muy positivo: Por primera vez en la historia aquí en AL, se puede hacer una revolución sin armas, pero por vía democrática.

Como usted dijo, en AL se está llevando a cabo un proceso de maduración. Puede desarrollar un poco más esta evolución?

Frei Betto: En los últimos 50 anos, AL a conocido tres ciclos de modelos políticos: primero las dictaduras militares, bien rechazadas (pero que ahora amenazan de reaparecer con el golpe militar antidemocrático en Honduras y con la actitud ambigua de EEUU y de EU ¡y del cardenal de Honduras !), segundo, los mesiánicos neoliberales, defensores convencidos de la privatización del patrimonio público, absolutamente de rodilla delante de la Casa Blanca y del consenso del Washington y de todas las recetas del Fundo Monetario, también rechazados, y ahora, gobiernos democráticos populares, unos más progresistas como Hugo Chávez en Venezuela, Evo Morales en Bolivia, Rafael Correa en Ecuador, otros menos progresistas como Lula en Brasil, la pareja Kirchner en Argentina, Fernando Lugo en Paraguay. Hay un avance de priorizar reformas estructurales por vía democrática. Todavía eso no se puede llamar el socialismo, pero es una conciencia crítica de establecer vínculos en América Latina, como el Banco del Sur, Alba y no Alca, etc., para buscar otro modelo que el capitalista tradicional. Gente que quieren gobernar por los pobres. Como el mundo es controlado por los ricos, estos jefes de estado son deshonrados por los medios. Posiblemente es nuestra primera oportunidad histórica de estos cambios estructurales por la vía pacifica. Estos pueblos por la vía pacifica y democrática y electoral dentro de un juego electoral muy corrompido por el poder económico, desde 1999 eligen jefes de extracción popular. Gente que quieren gobernar a favor de los pobres. Yo prefería llamar ese proceso de primavera democrática.

¿Y Cuba?

Frei Betto: En Cuba, es una democracia participativa, es un pueblo que no solo comparte sus derechos políticos, sino también sus derechos económicos. Cuba no tiene millonarios, no tiene inseguridad social, no tiene miseria, el pueble participa altamente en las decisiones del gobierno, y escogió por su sistema socialista con un solo partido pero que defiende los intereses de una mayoría. Eso es su escolta soberana. Por eso, Cuba esta diabolizada en las medias internacionales. Cuba debe perfeccionar su proceso político pero eso depende de que termine este bloqueo criminal de EEUU.

¿Que dice usted à las personas que dicen que en Cuba no hay libertad?

Frei Betto: Yo digo siempre a esta gente: ¿Y sus empleados, que libertad tienen ellos? En Cuba la gente tiene libertad, no en el sentido capitalista, con una pequeña minoría que tiene libertad de todo y la mayoría que no tiene la libertad de vivir en condiciones dignas, ni de poner sus hijos en la escuela, de tener un buen tratamiento de salud o de moverse por el mundo. En Cuba no hay turismo individual, pero si un grupo cultural necesita viajar, el propio Estado financia el viaje. Todo tiene que tener un sentido social. Eso esta correcto. En mi país, solo una pequeña minoría tiene la posibilidad de viajar, la mayoría sigue sin poder moverse, incluso en el interno.

Ahora le lanzo un verdadero SOS, una petición de ayuda para Europa, que se ha vuelto tan pobre en valores que sólo le queda el dinero. Aunque tengamos aquí “una izquierda” intelectual (auto proclamada), siempre dispuesta a analizar, a dar consejos o a criticar las experiencias que otros han intentado llevar a cabo, ella está muy lejos de extraer lecciones para actuar mejor aquí. Con un poco más de humildad ¿Qué podríamos aprender de esas diferentes experiencias de los pueblos del Sur, pienso también en la experiencia bolivariana, y sus experiencias concretas en política de integración de los pueblos y sobre todo en términos de reparación de nuestros valores?

Frei Betto: Bueno, yo creo que Europa ha logrado llegar al tope, a la cumbre de su enriquecimiento.

¿…y de su arrogancia también?

Frei Betto: ¿Arrogancia? Si, un poco también. Pero yo diría la generación que hoy tiene 60-70 anos, una generación que ha conocido las dificultades de la guerra pero que en las últimas décadas ha llegado a su tope de enriquecimiento, seguramente explotando al resto del mundo, a los países de Asia, África o América latina. Por ejemplo de un país como Suecia con un altísimo nivel de vida se puede preguntar ¿Cuantas empresas suecas hay en Brasil? Hay más de cien. ¿Pero cuantas empresas de Brasil hay en Suecia? Que yo sepa, ninguna. Entonces esta relación demuestra que la riqueza de Europa viene del Sur, del Sudeste del mundo, y la gente tiene que poner en conciencia, quizás, esta crisis económica de hoy sea muy pedagógica en el sentido que la gente de Europa tienen que ser un poco mas humilde como tu has dicho, y repensar su modelo de sociedad. Los europeos tienen la ingenuidad de pensar que con policía, con barreras, con leyes, con represión pueden impedir la migración económica. No van a contener. Hay que ayudar a estés países de África, de AL, da Asia de desarrollar también condiciones dignas de vida.

¡…y hay que robar menos!

Frei Betto: Si. Y así, se puede contener el flujo migratorio, y la gente se quedan en sus países con sus familias, ninguno quiere salir de su tierra, pero el problema es como he dicho antes: no tenemos un modelo de globalización, pero de globo-colonización, un modelo que impone al planeta los paradigmas predominantes de Europa, EEUU y Canadá: paradigmas consumistas, de exclusión social, de prejuicios raciales, creando y utilizando fobias.

Ahora: “¿Que hacer? “como lo plantea Lenin hace mas de 100 anos. En su conferencia, FH nos trazó a grandes rasgos algunas proposiciones de alternativas: utilización de recursos naturales con control colectivo, valorización del valor de uso sobre el valor de intercambio, una democracia participativa generalizada y la importancia de la multiculturalidad. Teniendo en cuenta su experiencia personal ¿Qué añadiría usted en relación con esas proposiciones y cómo lograr ir más allá de las simples reformas?

Frei Betto: FH planteo muy bien estos criterios, estoy plenamente de acuerdo con él. Justamente tenemos que priorizar esta agenda de sostenibilidad y de cambio de sociedad. Pasar del modelo productivista consumista para un modelo de solidaridad, de socialización de los bienes materiales, simbólicos y espirituales y creo que estos puntos que FH pone son importantísimos porque tenemos aquí en Brasil una democracia delegativa, representativa, estamos muy lejos de una democracia participativa como en Cuba. En la lógica del sistema capitalista, para que existe una democracia burguesa es necesario que una gran parte del pueblo esté excluida, como en el modelo griego: había 400 000 ciudadanos, 20.000 libres, el resto eran esclavos. Es esto el modelo que predomina en nuestros países! !No hay ninguna democracia económica, solo una democracia política! También el tema de ecología va ser un tema importante, porque toca a toda la gente.

Ahora desearía abordar algunas cuestiones prácticas, especialmente la cuestión del poder: ¿En qué medida hay que tomar el poder para transformar la sociedad?

Frei Betto: Hay que tener poder. Para legar al poder, hay dos vías: Hay la vía leninista, que primero hay que tomar el poder para después incrementarlo, esta vía es muy difícil porque hoy día, en AL la vía armada interesa solo a dos sectores, los fabricantes de armas y la extrema derecha. Es claro que si un pueblo es reprimido por las armas, según el principio de San Tomas de Aquino, tiene el derecho de defenderse por las armas. Hoy, en AL, tenemos una oportunidad histórica y quizás única: La oportunidad de tomar el poder por la vía pacifica y democrática. A través de la organización de los movimientos populares y sociales, para mi es la vía mas acertada y mas viable en este momento histórico que estamos viviendo.

En su obra, « Deslegitimar el capitalismo », FH expresa que algunos movimientos sociales constituyen un contrapeso al poder político exclusivo, pero teme que tengan dificultades para articular sus intereses fuera de su propia temática para llegar a una problemática más general con el riesgo de despolitizar así a las masas. ¿Cuál es su análisis, especialmente en relación con Brasil donde los movimientos sociales contribuyeron a formar un partido de izquierda? ¿Como no perder la perspectiva de la gran utopía de salir de la propia lógica del sistema actual?

Frei Betto: Este problema existe justamente en Brasil: Los movimientos sociales lograron a formar un partido de izquierda, de trabajadores, con Lula, un metalúrgico. Ocurre que Lula tenía dos piernas para hacer un buen gobierno: la pierna del apoyo del parlamento y la pierna del apoyo de los movimientos sociales. Lula descartó la segunda que tendría que ser su prioridad. Hay también ese otro problema que tenemos que pensar: ¿Como los movimientos populares tienen que construir un proceso que impida la cooptación de sus líderes por el sistema? No quiero decir que Lula está cooptado por el sistema, el gobierno de Lula tiene muchos puntos positivos, pero tiene de negativo el de establecer una política de alianza muy amplia para mantenerse al poder, ha dejado un poco al margen el proyecto del Brasil. Lula se distanció de los movimientos populares, sobretodo del Movimiento Sin Tierra que hace la más importante reivindicación que es la reforma agraria. Con la Argentina, somos los dos países que nunca han tenido una reforma agraria. Entonces, hay que repensar como establecer la relación entre partidos, movimientos sindicales, sociales y pastorales, una relación de autonomía y al mismo tiempo de complementariedad sin que uno tenga la tentación de absorber o de destruir el otro.

¿Cómo lograr que todas esas transformaciones de buena voluntad no sean absorbidas por el propio sistema, como evitar la individualización y esta cooptación?

Frei Betto: No es fácil: hay que caminar en estas dos piernas: la formación permanente de los militantes, y la inserción permanente en las luchas populares.

Según FH, el llamado a la colaboración de las clases es la primera ilusión de las doctrinas sociales religiosas. ¿Ve usted también ese peligro de intentar colaborar entre clases?

Frei Betto: Yo creo que no hay colaboración entre clases. Hay una sensibilidad entre sectores con temas en la búsqueda de otro mundo posible y existe una colaboración entre personas de distintas clases. Hay un proyecto social que visa erradicar la contradicción de clases, pero en esto momento no se puede pensar esto términos de colaboración de clases — por la lógica, la clase más fuerte siempre va cooptar la clase más débil. Hay una lucha de clase. Es obvio, es un hecho objetivo.

En Europa, la socialdemocracia que se llama socialista pretende que no existe más la lucha de clase…

Frei Betto: Es una ingeniad, porque justamente la socialdemocracia en Europa trata de apoyar empresas europeas que explotan terriblemente los países del Sur, la gente puede aparentemente pensar que hay una solidaridad interclasista, pero la pregunta es otra: ¿En que medida esta solidaridad se pasa también con los pueblos del Sur?

¿Entonces, en Europa estamos usurpando de la palabra socialista?

Frei Betto: ¡Claro! ¡No hay nada de socialista, incluso, no hay nada de social! Los gobiernos socialdemócratas de Europa, si miras las relaciones que tienen con sus empresas que operen en los países del Sur, es una operación típicamente capitalista, sin ninguna preocupación social o de preservación ambiental.

Algunos amigos en Cuba me dicen que ellos tienen un solo partido pero que defiende los intereses de una mayoría de la gente y que en Europa tenemos partidos con varios nombres pero que representan un solo partido, el partido del Capital…

Frei Betto: Si, exactamente. Mismo que hay varios partidos con varias nombres, hay un solo modelo, el modelo capitalista neoliberal.

¿Frei Betto, podría usted expresarnos sus conclusiones?

Frei Betto: Estamos delante de una crisis mundial del sistema capitalista y es un momento de aprovechar para efectivamente pensar alternativas al sistema – no quiero con esto afirmar que se va llevar al fracaso del capitalismo en los próximos anos – pero efectivamente hay un punto muy preocupante: Los países del G20 han propuesto dar 15 mil millones de dólares para erradicar el hambre en el mundo, estos mismos países en los últimos meses han dado una cuantidad mil veces mayor para salvar el sistema financiero. Hay una cuestión de ética a debatir: Tenemos que decidir si queremos salvar el sistema capitalista o si queremos salvar la humanidad.


Frei Betto terminó la entrevista, así como su conferencia pública, con un mensaje de solidaridad para la liberación de los cinco cubanos, que están aprisionados hace 11 anos en las cárceles de EEUU por haber luchado contra el terrorismo. Dice que bastaría una firma del presidente Obama para volverles a su pueblo y a sus familiares.4

Andrea Duffour, Asociación Suiza-Cuba, Friburgo, 16 de septiembre 2009

Referencias:

(1) Carlos Alberto Libânio Christo, mas conocido como FREI BETTO, nacido en 1944, es un militante de la lucha contra la dictadura en Brasil. Celebro por su defensa de la justicia social, es un pensador influyente de de América latina. Es autor de unos cincuenta libros, y un de los principales porta-voz de la Teología de la liberación en Brasil. Designado por Lula, después de su elección a la presidencia en 2001, para pilotar el programa « Hambre cero », dio la dimisión dos años más tarde con una posición relativamente critica en frente a Lula, aun subrayando siempre que mejoro la situación; Impresionado por los conquistas de la Revolución cubana, siempre comparándola a la situación de los demás países del Sur, amigo de Fidel Castro (Cf. también su entrevista con Fidel Castro: Fidel y la religión. Entretiens sur la religion avec Frei Betto traducido en varias idiomas.
(2) François HOUTART: « Délégitimer le capitalisme, Reconstruire l’espérance », Préface de Samir Amin, ediciones colophon, 2005. Voire aussi le résumé de son séminaire et de sa conférence à Fribourg sur.
(3) “Cuba y el don de la vida”, Texto corto, recuperado con la ayuda del autor, en fin disponible en varias lenguas en nuestro sitio: www.cuba-si.ch.
(4) Ve: www.freethefive.org; www.antiterroristas.cu; www.miami5.de; www.cuba-si.ch.